Mulheres na Engenharia

        Com base em dados da DiGRA de março de 2019, fica clara a diferença entre a presença feminina e a masculina no nosso curso. De um total de quase 2100 graus concedidos pelo curso de Engenharia de Materiais, apenas 342 foram concedidos a mulheres: pouco mais de 16% do total. Mesmo se olharmos apenas para os ingressantes, a situação não muda tanto: cerca de 18% do total de ingressantes do curso até hoje foram mulheres. Por outro lado, é importante também enfatizar que a presença feminina cresceu a partir de 2010, mas acabou se estabilizando num patamar de aproximadamente 28% do total dos ingressantes de cada turma.

Mulheres na Engenharia

        Neste cenário, com o objetivo de dar voz às mulheres do nosso departamento e montar um panorama de suas impressões e vivências, coletamos depoimentos de mulheres em diversas etapas da carreira de uma engenheira, desde o primeiro ano de graduação, passando pelo estágio, pós graduação, até cargos na indústria e docência no departamento.

 

        1. Durante a escolha do curso/área de atuação, você sentiu algum tipo de receio por ser uma área em que predomina o público masculino?
        Caloura: Não, acredito que estamos caminhando para ter cada vez mais mulheres na engenharia. Hoje em dia, algumas engenharias já têm um número grande de mulheres – mesmo tendo algumas áreas como mecânica e elétrica, que ainda têm uma porcentagem bem maior de homens – mas de forma geral, as mulheres vêm ganhando espaço na engenharia.
Recém-formada: Não, na época não pensei nisso, mas quando entrei percebi. Chegamos a contar cerca de 25 meninas em uma turma de 80 alunos.
        Aluna de pós-graduação: Não. Na verdade, sempre quis cursar física (astrofísica). Como tenho um irmão que cursava engenharia na época e que sempre me apoiou, decidi pela engenharia. Minha mãe também me encorajou a cursar engenharia, já que é grande defensora de que mulheres podem adentrar em cursos ditos “masculinos”. Assim, fui sempre segura e confiante na minha escolha.
        Atuante na indústria: Durante a escolha do curso acredito que o receio de cursar engenharia existe por este ser um curso em que os homens predominam, de maneira geral. Mas vejo que este retrato tem mudado bastante. Na minha área por exemplo, nós mulheres somos 50% da equipe. Eu me guiei pelas matérias que tinha aptidão e pela área de atuação quando fiz a minha escolha. O fato de ter mais ou menos homens não me desencorajou nem impediu de cursar engenharia.
Docente: Na época pouco falávamos disso. Eu fazia outra faculdade e lá o machismo era muito pior que aqui. A gente descobre o preconceito in situ.


        2. Você sente que o machismo (explícito ou subjetivo) interfere no seu ambiente de trabalho/estudo? Se sim, como? Você pode citar algum exemplo?
        Caloura: O que eu já senti de machismo foi mais em eventos, festas, essas coisas, em que os homens excedem. Eles acham que podem tocar, mexer, segurar cabelo, beijar sem perguntar, essas coisas. Dentro da universidade em si eu nunca senti, não. Só em eventos universitários.
        Recém-formada: Quase não tem mulheres no meu departamento. São 20 pessoas, e só eu, uma técnica (entrei praticamente junto com ela) e 2 estagiárias são mulheres (meu chefe direto tem relação importante com isso). Nunca fui contrariada/barrada por ser mulher (não que tenha sido claro). Tinham desconfianças por eu ser nova e recém formada, mas a partir do momento que mostrei resultados, essas desconfianças passaram. De forma geral, a empresa preza muito a diversidade, promovem palestras e diretrizes de aumento de mulheres em cargos de liderança. Para mim, uma inspiração é a gerente de uma das maiores fábricas da companhia, uma mulher sensacional e que chega a ser um símbolo.
        Aluna de pós-graduação: Na minha turma de graduação em Engenharia de Materiais, quase metade dos alunos eram mulheres e, portanto, não notei machismo explícito em sala de aula. Porém, nos laboratórios havia o pensamento de que as mulheres são menos capazes na realização de tarefas físicas. Já a capacidade intelectual, nunca foi contestada. Notei muito machismo no estágio industrial, sensação compartilhada por minhas amigas. Minha responsável na fábrica dizia que lugar de mulher é no escritório e lugar de homem é na fábrica. Com muita insistência, consegui que meu estágio fosse metade no escritório e metade na fábrica. Na fábrica, sentia que quando estava na presença de dois homens, mesmo se eu fizesse uma pergunta, o trabalhador se dirigia ao outro homem durante a resposta. Senti que funções importantes, principalmente aquelas ligadas a parte de engenharia, não eram destinadas a mulheres. Nesta empresa, de grande porte, toda a gerência era composta por homens, o que me desencorajou a continuar lá. Além disso, havia atitudes inapropriadas de trabalhadores, para não dizer claramente inaceitáveis, que se enquadram em assédio, de insinuar que ajudaria em troca de massagens. Observei que essas atitudes eram toleradas e que não havia nenhuma política de conscientização dos colaboradores e nem um mecanismo de evitar e punir tais condutas. Esse conjunto de más experiências nesse estágio aumentou meu interesse em continuar meus estudos e adentrar na pós-graduação.
        Admito que a carreira acadêmica também é machista. Percebo que alguns alunos de pós-graduação, quando em grupo, discutem e se dirigem entre si mesmo eu estando presente. Noto que, para a área em que realizo meu doutorado, tem poucas alunas de pós-graduação e somente uma docente no departamento. Isso acarreta em uma falta de figuras do nosso gênero que nos inspiram. Desejo incentivar outras mulheres a cursar essa área quando for professora, pois não faz sentido esse desequilíbrio entre homens e mulheres. Eu mesma tento ajudar e encorajar as alunas mais novas de pós-graduação durante suas jornadas.

        Atuante na indústria: Na faculdade já ouvi comentários que tentavam posicionar nós mulheres como muito frágeis ou sensíveis para desempenhar algumas tarefas. Ouvi comentários tanto em aulas teóricas quanto práticas. Inclusive um dos comentários foi para eu “lixar a amostra com calma para não quebrar as unhas”. Ouvi também comentários (também de um professor) sobre uma profissional da engenharia, e em nenhum momento ele elogiava suas habilidades ou sua inteligência, apenas sua aparência mesmo, deixando todos na sala bem desconfortáveis.
        No meu ambiente de trabalho, nas 3 equipes em que trabalhei, foram raras as vezes que senti o machismo diretamente. Sempre tive colegas bacanas, tanto homens quanto mulheres. Porém, houve um evento em que a minha opinião somente foi levada a sério quando confirmada por um colega homem; Alguém poderia pensar que se tratava apenas de pedir a opinião de alguém mais experiente do que eu, o que seria compreensível, já que eu estava naquela equipe há alguns meses apenas. Mas o fato é que meu colega homem consultado era tão inexperiente - no que se relaciona ao tempo atuante na equipe - quanto eu. Para mim ficou evidente o machismo da situação.
        Outro ponto são comentários de alguns homens relacionados a características físicas de colegas mulheres; existem comentários e comentários, mas quando o foco é menosprezar as característica intelectuais das pessoas e ressaltar apenas sua aparência, a sensação é de que a mulher se resume à sua aparência física. E o pior, parece até que ela tem a obrigação de agradar a todos com tal atributo, como se todo o resto não compensasse.
        Docente: Na carreira docente encontra-se menos empecilhos do que nas outras, em geral. É mais uma questão de comentários, piadinhas que às vezes as pessoas fazem e depois pedem desculpas, inclusive vindo de mulheres: “Ah, mulher engravida”; “deveria estar em casa fritando ovo”; “era um curso para homens”. Percebo também que em reuniões tem muitas interrupções (man-interrupting), a interrupção de falas femininas é muito maior.


        3. De forma geral, o que você espera que mude na carreira para as próximas engenheiras?
        Caloura: Eu acho que vai ter cada vez mais mulheres, com certeza. E no mercado de trabalho, eu acho que vai ter menos preconceito: em indústria, em obras, a gente ainda vê muito mais a presença do público masculino do que do feminino, acho que essa parcela vai aumentar também. E, acredito que as mulheres ainda vão desenvolver muito mais tecnologias e ocupar muito mais espaço no futuro.
        Recém-formada: Eu queria muito que desde criança as meninas vissem a engenharia como uma oportunidade. Eu vejo que as mulheres são apresentadas a esse tipo de profissão muito tarde. Somos desde pequenas incitadas a outros tipos de profissão (veterinária, professora, dentista) e a engenharia só vem mais tarde. Temos que ter mais opções e temos que fazer brilhar os olhos dessas menininhas para engenharia.
        Aluna de pós-graduação: Espero que mais mulheres estejam em posição de destaque na academia para inspirar mais alunas a seguir essa jornada. A igualdade de tratamento e de oportunidades também são essenciais para que as mulheres sejam competitivas para disputar as vagas no meio acadêmico
        Atuante na indústria: Penso que muitas vezes as mulheres são perguntadas em entrevistas de emprego, ou mesmo ao longo de sua carreira, se desejam casar-se e ter filhos. Em grande parte das vezes, esta pergunta, a depender da resposta, restringe as oportunidades daquela mulher no mercado. O fato de uma mulher querer ter filhos e afirmar isto pode acabar comprometendo seus desejos profissionais, da maneira como o assunto é levado hoje. Aos homens, este tipo de impedimento não existe, e repare que eles também podem querer ter filhos e ser pais! Mas sinto muitas vezes que para as mulheres este tema tem um peso muito maior.
        Outra coisa que deve mudar, é que o fato que eu ainda sinto, de que a mulher, muitas vezes, precisa de atitudes mais enérgicas e precisa ter o “pulso firme” para enfrentar algumas situações na engenharia. Talvez não só dentro da engenharia, mas percebo que muitas vezes é preciso ter atitudes mais parecidas com as de homens para que sejam tratadas simplesmente de igual para igual. Somos colegas de trabalho, independentemente do gênero, somos igualmente competentes, e queremos ser tratadas assim.

        Docente: Eu acho que a carreira na universidade tem um privilégio da liberdade nos horários. Isso para mães é muito bom, então a flexibilidade na carreira aqui é muito boa. Nas empresas eu acredito que é um balanço a se chegar. O ideal seria que os homens dividissem esse “rojão”. Na universidade a maior mudança necessária é no comportamento das pessoas. Nas empresas, a mulher tem que assumir o papel masculino para se sustentar, mas ela tem que entrar nessa competição, violência verbal, se impor. Então tem que entrar no jogo.


        4. Você tem alguma mensagem para as mulheres que aspiram ingressar na engenharia, mas ainda têm dúvida por conta desses problemas?
        Caloura: Elas não podem ter medo porque, se a gente não lutar, no futuro vai continuar do mesmo jeito. As mulheres têm uma força muito grande, e já conseguimos muitas coisas lutando pelos nossos direitos. Eu acredito que já estamos caminhando para uma engenharia menos machista, e acredito que elas têm que correr atrás desse sonho, porque é esse sonho que vai dar força pra elas seguirem adiante.
        Recém-formada: Pra elas não deixarem que os padrões do passado que estão enraizados em pessoas e na sociedade prendam elas, mas sim que elas façam o que elas têm vontade, independente do curso. A gente pode ser o que a gente quiser e temos que deixar nossa marca em cada profissão e posição dentro dessa profissão. Não fiquem quietas, não aceitem e façam o que vocês quiserem. A gente pode tudo e um pouco mais!
        Aluna de pós-graduação: Minha mensagem é que engenharia é muito legal e é um lugar para homens e mulheres. Uma mensagem é para sempre se imporem e serem seguras de si. Recomendo também encontrar ou formar uma rede de apoio composta de homens e mulheres que te ajudem, profissionalmente e pessoalmente, a seguir a carreira que deseja.
        Atuante na indústria: Minha mensagem é que lutem e tentem, na medida do possível, sensibilizar as pessoas ao redor sobre a importância de um ambiente de trabalho saudável para a mulher; incentive o trabalho de outras mulheres, destaquem suas qualidades e se apoiem. Não tenham medo de enfrentar as situações difíceis e nunca percam a sua essência no meio do caminho. Não tentem se moldar em padrões masculinos de comportamento, e quando em situações de injustiça, não simplesmente aceitem para evitar conflitos. Deem o seu melhor, sempre e confiem no potencial enorme que carregam.
        Docente: Eu encorajo e acho que têm que seguir os sonhos. É plenamente possível e minha mensagem é de coragem, para não se deixar levar pela cultura machista. Embora muita coisa tenha avançado, ainda há muito para melhorar.

 

        Por meio deste texto, procuramos dar voz a uma parcela - ainda que pequena - das mulheres que atuam na engenharia. A equipe do Jornal A Matéria acredita em uma engenharia justa e com oportunidades iguais para todos e agradece a todas as entrevistadas pelos relatos que foram utilizados neste texto.
        Os autores agradecem, ainda, aos membros Augusto da Veiga, Fernanda Cunha, Giovanni Rosalino, Guilherme Koga e Pietro Bortolini pela realização das entrevistas.

[Texto retirado da 16ª Edição do Jornal A Matéria, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]