[THROWBACK A MATÉRIA] O Rito de Passagem: Docentes no DEMa

         

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                                                                                                      [THROWBACK A MATÉRIA]
 
                                                                                           O Rito de Passagem: Docentes no DEMa

        Ritos de passagem, além de determinar marcos existenciais, representam uma singularidade metafísica na qual é inevitável reflexões profundas. Os primeiros pensamentos são recordações de nossas origens, o presente imediatamente anterior ao rito e, por fim, a expectativa de como será o futuro após as grandes transformações. Os rituais – sejam eles sociais, religiosos ou militares – têm como marca comum a repetição e oferecem uma sensação de segurança, não apenas por sua familiaridade, mas porque promovem um sentimento de coesão. Eles representam a promessa de continuidade de grupos ou instituições, já que nem toda transição é indolor e isenta de incertezas e armadilhas.

        O protagonista em questão é um personagem com quase 50 anos, um guerreiro que nasceu nos difíceis anos 70, vingou nos incertos anos 80, amadureceu nos conturbados anos 90 e que consolidou sua atual exuberância neste século. Estamos falando do DEMa, que está passando por uma grande transformação, representada pela relativa recente renovação do seu quadro de docentes; os professores contratados nos últimos 10 anos já representam aproximadamente metade do efetivo. Apesar de ser comumente associada a indivíduos, a história de congregações também é determinada por ritos, representados neste texto pela “passagem de bastão” entre gerações de docentes. Antes, é importante partimos das origens.

        Origens: Em visita recente à UFSCar, o Prof. Sérgio Mascarenhas, primeiro reitor da universidade e quem primeiro propôs o pioneiro curso de Engenharia de Materiais na América Latina, revelou um pouco sobre as origens do DEMa. Segundo o célebre professor, a inexistência no país de especialistas nessa nova área culminou em um corpo docente internacional, trazido de diversos países. Certamente, a forte característica de colaboração internacional do DEMa é fruto deste início internacional, comprovada pela ida de vários docentes ao exterior e pelas valiosas visitas de pesquisadores estrangeiros. Outra característica marcante do início de nosso departamento é que os alunos das primeiras turmas, devido à infraestrutura limitada e movidos pelo entusiasmo coletivo, participaram ativamente na construção do curso. Não é de se espantar que muitos destes alunos ouviram o “chamado interior” para trilhar a árdua jornada do cientista e viriam a se tornar docentes no DEMa, com alguns assumindo logo após o término da graduação em razão da escassez de profissionais na área. Outro grande acerto foi a política da UFSCar de investir num arrojado programa de formação desses jovens docentes no nível de doutorado. Esses desbravaram caminhos até então desconhecidos, passando pelas principais universidades americanas e europeias, e retornaram ao DEMa para nuclear os, hoje, reconhecidos grupos de pesquisa, cuja excelente infraestrutura está espalhada em várias regiões do campus. Como costuma dizer o Prof. Mascarenhas em seus discursos “...professor só é bom se forma alunos melhores do que ele,... que foram além e deram continuidade à escola de Física da Matéria Condensada, de Materiais,...”. O sucesso de formação de docentes no DEMa é facilmente comprovado ao constatar que a grande maioria dos cursos tradicionais de Engenharia de Materiais no Brasil originou-se de exalunos do nosso departamento.

        Presente: O DEMa vive um momento peculiar no qual diferentes gerações, pelo menos 3 (baby boomers, X e Y), coexistem. Neste contexto, o papel de mentores experientes é crucial. A importância de “mentores acadêmicos” é que, depois da conquista do tão sonhado cargo, é comum sentirmos perdidos com a imensidão de oportunidades à frente. Ainda mais perigosos são o egocentrismo e a arrogância induzidos pela mudança repentina de status, o que pode levar ao erro da autossuficiência, característica incompatível para um professor universitário. Apesar de não existir formalmente um processo de acompanhamento de novos docentes por grandes mestres, na prática isso já ocorre. A vantagem desse processo é que o novato ganha robustez e experiência, principalmente nos primeiros anos, e começa a moldar seu perfil de professor e a aprender como melhor aproveitar seus talentos e habilidades em prol de interesses profissionais pessoais e coletivos. Discute-se, cada vez mais, a real importância e a necessidade da existência das universidades e dos professores em um crescente movimento de competitividade global e expansão dos OOMC (Open On-line Massive Course). Basta ver os excelentes cursos do MIT OpenCourseWare, como o “Introduction to Solid State Chemistry”, ministrado pelo Prof. Donald Sadoway, equivalente à nossa Introdução à Ciência e Engenharia de Materiais. Em entrevista, ao ser indagado sobre o sucesso da disciplina, que despertou até o interesse de Bill Gates, culminando no financiamento massivo para suas pesquisas sobre baterias, o Prof. Sadoway ressaltou a importância de ter tido o acompanhamento do corpo docente sênior em seu início de carreira, além da liberdade e encorajamento de poder imprimir seu estilo face aos novos desafios. Fica cada vez mais evidente que, para a engenharia, o conteudismo das aulas e a pesquisa sem real motivação prática estão se tornando cada vez mais obsoletos. Como evidencia David Perkins da Harvard School of Education “Nós só aprendemos quando o conhecimento é aplicado em situações reais”. Para que a ciência desenhe a tecnologia e a tecnologia desenhe a ciência, é necessário a aproximação desde o início entre Ciência e Tecnologia através de ensino de qualidade nas universidades. Isso somente é possível por meio da capacitação contínua do corpo docente, um desafio para os novos professores que terão de se reinventar com frequência cada vez maior para atender a demanda de uma sociedade dinâmica e em expansão.

        Futuro: Muitos dos remanescentes docentes das primeiras gerações (baby boomers e X) se aposentarão nos próximos anos. Os que estão renovando o DEMa, majoritariamente da geração Y, terão de atender as expectativas dos alunos nascidos já no século XXI, a chamada geração Z. Estes desconhecem um mundo que não seja o digital e possuem elevada autoconsciência e ânsia para criar suas próprias soluções. Os métodos que outrora levaram o DEMa ao êxito serão suficientes neste novo cenário? O público da universidade está mudando rapidamente, os docentes seniores do DEMa, vulgo “artistas”, estão saindo progressivamente de cena, mas o show não pode parar. Certamente, boa parte da mágica deverá mudar com urgência, já que a obsolescência é o maior ameaça futura para as universidades tradicionais. Afinal, como relatado no artigo da Schumpter - The Economist (University Challenge), “Instituições raramente são assassinadas, o fim normalmente é por suicídio...”. O importante é que a nova geração seja unida para delinear com clareza a missão de nosso departamento. A aprovação do FullBright certamente ajudará neste sentido, já que conta com a participação de muitos novatos e veteranos do departamento. Outra grande ocasião para esta união entre gerações e passagem progressiva de bastão será em 2020, ano em que o DEMa celebrará 50 anos de existência, além de ter a incumbência de organizar o 24° CBECiMat. Uma sugestão seria envolver também na organização alunos de graduação do DEMa, já que esses organizaram com maestria o XX CECEMM em São Carlos em 2018, evento de grande sucesso e alcance. Seria a ocasião perfeita para unir Passado-Presente-Futuro e mostrar que o DEMa, independente das gerações e, apesar das glórias já alcançadas, ainda é um jovem ávido por novos desafios e almeja voos maiores que envolvem competição global, multidisciplinaridade, foco em competências múltiplas e visão integrada de engenharia. O departamento se esforçará para manter seu comprometimento de criar e sustentar condições que permitam que todos os nossos alunos experimentem uma jornada educacional inigualável que seja intelectualmente, socialmente e pessoalmente transformadora. O sucesso desta missão será essencial para a formação de uma nova geração, o futuro do futuro do DEMa.

        Afinal, o que une as diferentes gerações que passaram e que estão no DEMa? Aos 91 anos, o Prof. Mascarenhas mantém seu entusiasmo repleto de uma sabedoria contagiante. Esse mesmo traço é marcante também em seus discípulos, os quais com idades próximas de 70 anos esbanjam energia para novos desafios, muitos desses ativos mesmo após a aposentadoria. Eles atuam como guardiões de um legado construído ao longo de décadas, além de alimentarem as grandes ambições dos novatos. O ambiente contagiante formado por estudantes cheios de expectativas e com voracidade de aprendizado potencializa esse cenário. Apesar de incerto, enquanto diferentes gerações retroalimentarem seus sonhos com entusiasmo, o futuro do DEMa certamente é e será promissor.