Throwback A Matéria

Throwback 13ª Edição - Foto 1

ENTREVISTA COM O PROFESSOR OSCAR PEITL

Escrito por Gabriela Mayer e Leandro C. Michelotti

        Jornal A Matéria: O senhor poderia falar um pouco sobre sua história?

        Oscar: Eu sou Engenheiro de Materiais formado aqui na UFSCar. Eu morava em Araras, mas como lá não tinha cursinho, vim para São Carlos fazer. Eu comecei o curso de Engenharia Mecânica na UNESP em Bauru, mas o que eu queria mesmo era Materiais, prestei o vestibular para a UFSCar e voltei para São Carlos. Entrei na turma de 80 e me formei em 85. Eu sou formado em metalurgia e cerâmica, e fiz minha pós-graduação em cerâmica na UFSCar. Trabalhei no mestrado com reforço químico de vidros, o Edgar Zanotto foi meu orientador, e assim me deparei com os biomateriais e me apaixonei.

        AM: Assim surgiu sua paixão por biovidros?

        O: Não, eu já tinha interesse e andava trocando fax com Larry Hench há um tempo (não existia e-mail naquela época). Em um lobby de hotel, nós traçamos o meu plano de doutorado e assim começamos a fazer biocerâmicos.

        AM: Como começou seu interesse por esta área? Houve algum episódio que o despertou, alguém com quem o senhor conversou?

        O: Eu estava para definir um tema para o meu doutorado, já tinha visto várias coisas. Pensei inicialmente em fazer vitrocerâmicas utilizando escória de alto forno, a Rússia estava fazendo pesquisas nessa área para pisos especiais. Cheguei a ler vários artigos e nessa época eu li um do Larry Hench no The American Ceramic Society - e foi assim que despertou realmente o meu interesse.

        AM: Naquela época já existiam muitas pesquisas em biocerâmicos?

        O: No Brasil não existia praticamente nada. O professor Anselmo mexia com hidroxiapatita, mas não era nada relacionado a cerâmicas com bioatividade alta. Eu encontrei na Flórida muitos dos brasileiros que estão atuando aqui nessa área hoje em dia.

        Desse trabalho com o Larry Hench saiu nossa primeira patente internacional, e voltamos para cá muito contentes, até descobrirmos que havíamos doado todos os direitos autorais para a Universidade da Flórida, com a Bolsa da Capes. Fiquei muito bravo e cheguei a falar: “nós vamos fazer ainda melhor!”. E fizemos os biossilicatos depois de mais 20 anos de trabalho. Estamos em uma fase de renovação, aumentamos muito o número de pessoas, mas recentemente diminuiu. Estamos tentando renovar, pois na atual situação do país está muito difícil conseguir bolsas de pós-graduação, há menos recursos e está cada vez mais competitivo.

        AM: Em trabalhos com biossilicatos, o senhor foi pioneiro?

        O: Sim, nós os criamos após o retorno da Flórida. Quando chegamos no Brasil, eu e o Edgar orientamos um aluno de mestrado, Christian Ravagnani, que trabalhou com um material que nós desenvolvemos para hipersensibilidade dentinária. Foi a primeira aplicação, em contato com o pessoal da odontologia de Ribeirão Preto. Esse material deu origem a toda nossa plataforma tecnológica.

        AM: Sobre o implante ocular que o senhor criou, como surgiu a ideia? Como foi o processo de pesquisa?

        O: Há 10 anos, uma oftalmologista, Simone Milani, nos procurou, pois estava interessada em trabalhar com prótese ocular devido a uma grande demanda da população. Muitos pacientes são submetidos a retiradas de tumores nos olhos, e, assim, a estética é comprometida, pois ocorre retração do globo ocular. Utilizando próteses externas, com o tempo, tal globo vai afunilando, não mantendo o volume. Então, começamos a trabalhar para melhorar isso.

        O mestrado da Simone foi um modelo animal com essa prótese. O que tem de diferente nela é que é um cone, as que já existiam no mercado eram esferas, porque era usado um material inerte. A importância deste novo formato pode ser observada na ressonância magnética dos nossos olhos, eles têm o perfil muscular em cone, não esférico. A prótese em cone leva a uma melhor adaptação, mantendo toda a parte muscular do olho e preservando a funcionalidade e a estética, embora a pessoa não vá voltar a enxergar. Os testes foram feitos em 60 coelhos durante seu mestrado, e os resultados foram fantásticos. No doutorado, ela decidiu aplicar em humanos. Demorou mais ou menos um ano e meio para o COEP (Comitê de Ética em Pesquisa) analisar. Enquanto isso, nós fomos fazendo os modelos. Foram feitos testes em 50 pacientes, uma parte na UNESP em Botucatu e outra parte em São Paulo na USP. Eu produzi todos os implantes, fazia o vidro, a cristalização, o corte e o acabamento para obter a peça.

        AM: Existe algum programa que já está implantando essas próteses nas pessoas?

        O: Já existe uma empresa interessada e estão sendo licenciadas, a patente é da UFSCar, e até onde eu sei, o processo de submissão na Anvisa está sendo finalizado, para então se iniciar a produção. Atualmente não estamos implantando, pois acabou o nosso período de autorização para implantar em humanos. Surgiram muitas pessoas pedindo para receber a prótese, mas infelizmente nós não somos mais autorizados a fazer o procedimento. O produto é totalmente nacional, tanto o material quanto o design. Já foram operadas durante o estudo desde crianças de 7 anos até idosos.

        AM: A bioatividade desse material (implante ocular de biossilicato) é atribuída a que?

        O: A composição que nós encontramos tem bioatividade tão alta que se liga a tecidos macios. O próprio Rench propôs alguns critérios para que isso acontecesse, como o índice de bioatividade maior que 8, que se relaciona com a velocidade de ligação ao tecido ósseo. Apenas no Bioglass 45S5 era encontrada esta condição, mas agora nós temos o nosso brasileiro que se liga a tecidos macios como pele e colágeno.

        AM: O senhor gostaria de deixar uma mensagem para finalizar?

        O: Persistência, seguir sempre uma linha mestra do que você quer. Não devemos desistir nas primeiras tentativas. Eu estou falando de uma história de 25 anos, temos algum reconhecimento agora, mas no começo tivemos que bater de porta em porta para convencer médicos, fisioterapeutas e dentistas de que tínhamos algo interessante, porque nós como engenheiros não podemos fazer testes em animais e humanos, temos que criar um grupo de apoio. É lindo e interdisciplinar. Mas tem que ter a coragem de se arriscar e sair da zona de conforto, é um grande desafio para o engenheiro, mas vale a pena a recompensa. O arco-íris é muito bonito no final.

[Texto retirado da 13ª edição do Jornal A Matéria, disponível em: https://bit.ly/EdicoesAMateria]