Throwback A Matéria

Ricardo Felipe Lancelotti


Por Leandro C. Micheloti

        O aluno de Engenharia de Materiais da UFSCar Ricardo Felipe Lancelotti foi anunciado recentemente como o vencedor do prêmio internacional Alfred R. Cooper, destinado a pesquisas em vidros realizadas por alunos de graduação. Abaixo, segue uma entrevista na qual o ex-membro da equipe financeira do Jornal relata sua trajetória acadêmica, seu trabalho vencedor e a premiação que ocorrerá em Ohio, nos Estados Unidos, este ano.

1) Conte-nos um pouco sobre você (sua origem e trajetória acadêmica).
        Conheci o curso de engenharia de materiais através de um professor de Física do cursinho que fiz em 2012 e achei muito interessante. Iniciei minha trajetória acadêmica nesse curso, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) em 2013, e fiquei fascinado por essa área, já que lá é mostrada muita coisa desde o primeiro ano. Transferi no ano seguinte para a UFSCar, sendo, então, da turma 014. No primeiro semestre durante a matéria de Introdução a Ciência e Engenharia dos Materiais, tivemos uma palestra com o Prof. Edgar D. Zanotto sobre seu grupo de pesquisa em vidros, e fiquei muito interessado em começar uma Iniciação Científica (IC) na área. Comecei a IC no LaMaV no início de 2015, com coorientação de um professor visitante da Índia, o Prof. Atiar R. Molla, no tema de vitrocerâmicas transparentes de alta resistência com aplicação em balística. Esse trabalho gerou meu primeiro artigo científico publicado no “Journal of the American Ceramic Society”, cujo título é “Crystallization, Mechanical and Optical Properties of Transparent, Nanocrystalline Gahnite GlassCeramics”. No final daquele ano, comecei a trabalhar com o pós-doutorando Alisson M. Rodrigues, que me auxiliou no processo de bolsa da FAPESP. Devido ao intercâmbio do Alisson, comecei também a trabalhar com o pós-doutorando Daniel R. Cassar, com quem estou até o momento. Além do tema da pesquisa que será detalhado a seguir, trabalhamos com diversos temas relacionados com a ciência básica de vidros. Um desses trabalhos gerou meu segundo artigo científico, “Elemental and Cooperative Diffusion in a Liquid, Supercooled Liquid and Glass Resolved”, publicado no “Journal of Chemical Physics.” Além disso, hoje trabalho também com o pós-doutorando David V. Sampaio, da Física, integrante do grupo CERTEV e especialista em espectroscopia Raman. Estamos investigando a estrutura e as transições de fase do vidro metassilicato de chumbo, o que com certeza, em breve, gerará outro artigo científico.

2) Conte sobre o seu trabalho premiado (tema de pesquisa, orientador, resultados principais obtidos).
        O trabalho premiado foi desenvolvido durante meus três anos de projeto FAPESP, com orientação do Prof. Edgar D. Zanotto e coorientação do pós-doutorando Daniel R. Cassar. O tema de pesquisa envolve as cinéticas de cristalização e relaxação estrutural de vidros com diversas aplicações de cunho básico, entre elas o Paradoxo de Kauzmann. Diversos alunos já trabalharam nessa área em nosso laboratório, sendo que quando comecei essa pesquisa, dei continuidade na parte de cristalização desenvolvida pela aluna Norma M. Machado (013) (atualmente, a parte de relaxação estrutural está sendo continuada pela aluna Mayara P. Cerruti (017), tema que ainda tem muito para ser estudado.)
        Em 1948, Walter Kauzmann, um professor de Princeton, USA, questionou o que aconteceria se, com resfriamentos cada vez mais lentos, produzíssemos um vidro a temperaturas cada vez menores, com transição vítrea (Tg) cada vez mais baixa. Nesse exercício teórico, ele observou uma situação paradoxal, em que numa certa temperatura, conhecida como temperatura de Kauzmann (TK), o líquido superresfriado teria uma entropia configuracional igual à da fase cristalina estável, sendo mais tarde denominado de Paradoxo de Kauzmann, que perdura há 70 anos. O próprio Kauzmann propôs uma hipótese de que qualquer líquido superresfriado deve se cristalizar antes de atingir TK, porém ele não realizou experimentos para testar a hipótese. Então, nossa abordagem teórica foi comparar as cinéticas de cristalização e relaxação estrutural desde Tg até abaixo da faixa calculada de TK. Para isto, realizamos experimentos de relaxação estrutural com um vidro dissilicato de lítio, em algumas temperaturas sub-Tg, via medidas de índice de refração em função do tempo. Também coletamos dados da literatura de viscosidade, de nucleação e sobre crescimento de cristais. Nossos resultados mostram que a hipótese proposta pelo próprio Kauzmann para a solução do paradoxo é verdadeira, pelo menos para o vidro estudado. Isto é, o líquido super-resfriado deverá se cristalizar antes de atingir a temperatura paradoxal. Porém, ainda precisamos refinar os cálculos e utilizar outras composições vítreas, e até mesmo outras abordagens teóricas antes de afirmar categoricamente que o Paradoxo de Kauzmann não existe.

3) Fale um pouco sobre o concurso que você foi vencedor. Quais os principais critérios de participação?
        O prêmio internacional Alfred R. Cooper Scholars é para alunos de graduação com pesquisas em vidros, concedido pela “The Glass & Optical Materials Division” (GOMD) da “The American Ceramic Society” e entregue anualmente, desde 2007, no congresso internacional “Materials Science & Technology” (MS&T), que neste ano será em Ohio, nos Estados Unidos. Eu o conheci através do meu orientador, Prof. Zanotto, que perguntou ano passado se eu gostaria de participar. As regras estão disponíveis na página da “The American Ceramic Society”. Basicamente, para se candidatar é necessário enviar uma carta de indicação do professor orientador, seguida pela descrição do trabalho desenvolvido em cinco páginas e, por fim, uma carta do aluno contando o que aprendeu cientificamente com o projeto, o que mais gostou e os planos para o futuro. Apenas uma indicação é aceita por Universidade. Nós participamos ano passado, mas focamos não apenas no trabalho que estava sendo desenvolvido no momento, mas também demos ênfase nos dois trabalhos finalizados. A vencedora foi a aluna Yushu Hu da “University of California”. Aprendemos como funcionava e, este ano, com o projeto em um estágio mais avançado e excelentes resultados, submetemos novamente e fomos agraciados com o prêmio.

4) Como foi receber a notícia de que seu trabalho havia sido premiado? Você irá para Ohio apresenta-lo?
        Recebi a notícia momentos antes de uma reunião do Jornal A Matéria, fiquei muito feliz no momento. Receber um prêmio, seja ele qual for, é o reconhecimento de que o trabalho está sendo bem feito. O prêmio será entregue durante a sessão da GOMD no MS&T18, dia 16 de outubro, ocasião em que apresentarei o trabalho, cujo título é “Structural Relaxation versus Crystallization in a Deeply Undercooled Glass”.

5) Deixe uma mensagem de encerramento para os leitores:
        A mensagem que eu gostaria de deixar é meio clichê, mas levo isso comigo sempre: tudo o que você for fazer na vida se dedique e faça o seu melhor, independente do que seja, com certeza no futuro colherá os frutos. Tudo bem se não obtiver sucesso, pois você fez o melhor que pôde.