Throwback A Matéria

Throwback 12ª Edição

        As Engenharias de Materiais do Brasil segundo seus próprios alunos

        Escrito por: Augusto da Veiga e Giovanni Rosalino

        Entre os dias 22 e 28 do último julho, aconteceu o XX CECEMM, na cidade de São Carlos. Como uma forma de comemorar a especial edição, nada melhor do que ela acontecer onde se deu o cerne da Engenharia de Materiais no Brasil. Outra particularidade foi que - por incrível que pareça - USP e UFSCar se uniram para realizar de forma excepcional o Congresso dos Estudantes de Ciência e Engenharia de Materiais do Mercosul. Depois de muito pensar e executar após julho de 2017 em Belo Horizonte, os 39 organizadores tiveram muito trabalho e muitos imprevistos, mas, sem dúvidas, se sentiram realizados com o sucesso da 20ª edição. É o que conta Rafaela de Godoy, presidente da comissão do Congresso: “(...) uma das maiores dificuldades de organizar o Congresso foi o fato de ser a vigésima edição, justamente aqui onde este foi criado, e de ter sido o maior CECEMM, com 401 congressistas. Particularmente, meu maior obstáculo foi saber ser presidente de quase 40 pessoas, mas, sem dúvidas, a maior realização foi ver tudo acontecendo, ver o Callister, os elogios… Quando você vê tudo dando certo, você esquece de todas as dores de cabeça, e até de todos os xingos, que não foram poucos.”.
É impossível esquecer da palestra do “autor da bíblia da Engenharia de Materiais”, como muito bem definiu Lucas Varoto, diretor acadêmico do XX CECEMM, ao chamar William D. Callister Jr. para subir ao palco.

        Além desta e de outras palestras, dos minicursos, mesas redondas, visitas técnicas e festas, o Congresso possibilitou a integração de alunos, graduandos e pós-graduandos, de 11 estados diferentes (do Rio Grande do Sul ao Amazonas). É inegável que, pela facilidade, a maioria dos congressistas estudava em São Carlos, mas em todos os coffees foi possível conversar com diversos sotaques sempre muito receptivos e dispostos a compartilhar um pouco de sua cultura uns com os outros. Pensando nisto, nós, participantes do jornal A Matéria, decidimos entrevistar alunos que não fossem da UFSCar para entendermos as impressões deles em relação ao curso de Engenharia de Materiais, à universidade e em relação ao sistema de ênfases. Obtivemos 43 respostas, de tal forma que os entrevistados se distribuíram pelo país conforme mostra o gráfico.

        Os entrevistados responderam a 6 perguntas relacionadas às respectivas vidas e à Engenharia de Materiais. A primeira questionava sobre o fato de estudar fora da cidade natal ou da cidade em que eles habitam atualmente. Das 43 pessoas, 15 pessoas não tiveram que mudar de cidade, enquanto 28 (64%) mudaram de cidades interioranas para capitais ou vice-versa, ou, ainda, para estados no extremo oposto do país.

        Em segundo lugar, questionamos sobre o modo pelo qual os alunos conheceram a Engenharia de Materiais, uma vez que o melhor curso de todos não é muito conhecido pelo mundo afora. Tanto isto é fato que houve pessoas que entraram na EMa por exclusão, muitas vezes por querer outro curso e não consegui-lo , ou, então, por achar que a Engenharia Química fosse o que eles procuravam e não conhecer a Engenharia de Materiais. Analisando estes casos, cabe a nós - formandos e formados -, engenheiros de materiais, difundir o curso o máximo possível para não precisarmos escutar a fatídica pergunta: “Engenharia de Materiais? Mas o que faz?”. Por outro lado, vê-se que a maioria teve o primeiro contato com o curso através de pesquisas, feiras de profissões ou ainda, pelo contato com conhecidos, amigos ou familiares. Fica claro também o quanto a influência externa é gritante na escolha do vestibulando, seja ela por um contato já existente (cursos técnicos, por exemplo), ou por episódios marcantes de professores ou colegas, como disse Fernanda (CEFET-MG): “Minha professora de química comentou em sala sobre o grafeno na aula de alotropia do colégio e acabou citando o curso.” Talvez, para a professora, esta foi uma aula como qualquer outra em que ela exemplificou mais um dos milhões de conteúdos para os alunos simplesmente reproduzirem no vestibular, mas, sem dúvidas, isto construiu a vida de uma pessoa.

        A terceira pergunta era: “Quais eram suas expectativas antes de entrar na universidade? Elas foram atendidas?”. Aqui, pode-se observar um maniqueísmo. Houve pessoas que se realizaram quando entraram para a EMa e outras que se desestimularam. A maioria das pessoas que entrou sem saber do que se tratava exatamente o curso se surpreendeu positivamente. No entanto, houve, de modo geral, uma decepção em relação à falta de estrutura, tanto do curso quanto da universidade, como no depoimento de Vitor (UFLA): “Ter um laboratório para fazer pesquisas. Atendido parcialmente devido ao fato de o curso ser novo na UFLA. Falta equipamentos, salas para laboratórios, matéria-prima.”. Outro ponto recorrente é a falta de conteúdo aplicado à indústria. Segundo os próprios futuros engenheiros, muito se vê na teoria: “As expectativas eram a de um curso bastante aprofundado e com abordagens tanto científica quanto prática/tecnológica. Em relação a isso, creio que a parte aplicada deixou um pouco a desejar, porém, na outra questão, foram atendidas as expectativas no geral.” (por Rafael, PPGCEM-UFSCar). De fato, a vivência em ambiente de trabalho é muito importante tanto quanto a reflexão da pesquisa, e pode acabar sendo esquecida pelas cobranças às quais os alunos estão submetidos, como defende Larissa (UFMG): “Particularmente, eu fico muito estressada com a quantidade de matérias por semestre e a quantidade de provas e trabalhos que temos que fazer em pouco tempo. Isso faz com que a gente tenha menos tempo para aprender as matérias.” Em suma, as opiniões, obviamente, são bem diversas, mas é inegável que é gratificante quando se lê: “Compreender melhor o mundo, foi muito atendida.” (Allan, UFSC).

        Já a quarta pergunta dizia o seguinte: “em relação ao curso no seu departamento, o que mais o agrada e o que você acha que poderia melhorar?”. De forma quase unânime, os professores foram elogiados, o que nos faz constatar que a Engenharia de Materiais é bem servida no Brasil, de ponta a ponta, como se pode ver nas seguintes respostas: “Os Professores são os melhores”, Laura (UFLA), “Professores muito atenciosos(…)”, Allan (UFSC), “Professores, com exceções, são excelentes e muito dedicados”, Maurício (UEPG), “O que me agrada bastante são os professores, que em sua maioria são atenciosos e bons profissionais”, André (USP), “O que mais me agrada no curso é a relação próxima de alunos e professores.”, Kelvin (UNIFEI), e até mesmo o coordenador do curso foi elogiado, bem como os alunos, como a Nathália (UFAM) nos respondeu: “Tenho muito orgulho de ver a dedicação do coordenador em qualificar meu curso. Os alunos são extremamente ativos em causas de mudança e diversos alunos são premiados pelos seus trabalhos de pesquisa.”.

        Entretanto, apesar de muitos também dizerem que gostam da grade, mais especificamente do conteúdo específico de Materiais, isso paralelamente veio acompanhado de críticas: a falta de conhecimentos técnicos e profissionais e o tempo excessivo para as matérias eletivas foram muito pontuados. Como disse a Nathália (UFAM): “Eu esperava que meu curso tivesse um contato mais direto com a indústria, pois Manaus conta com um enorme polo industrial. Neste caso, meu curso tem uma carência de contatos com empresas, sendo assim mais voltado para a área de pesquisa científica.“ e alunos como Matheus (USP) se queixaram da grade: “Aulas de 3 créditos são muito cansativas e as matérias poderiam ser melhor organizadas para não ser necessário matérias futuras para a compreensão total.” - o que diríamos de 4?

        Por fim, a última pergunta e, talvez, a mais polêmica, é a que faz referência ao fato da existência e das impressões dos alunos em relação às ênfases. Uma maioria infere que não gosta do método de ênfases, seguida pelos que gostariam que houvesse. A tese mais comum entre os que defendem a não existência de ênfases é a de que a formação de um engenheiro deve se dar da forma mais ampla e generalista possível, retratando a seleção de ênfases como uma restrição nos estudos. Este, como dito, é um tema polêmico por conta de depender dos modos como são dadas as ênfases e, sobretudo, o ciclo básico. Se desde o início do curso até a seleção de ênfases é dado aos alunos a oportunidade de aprender engenharia e ciência de materiais, a posterior divisão não acarreta num déficit de conteúdo, mas apenas agrega o gosto ao estudo. Caso, por outro lado, a unilateralidade sobressaia, realmente há uma queda de aprendizado. Em suma, é sempre possível, a depender dos alunos e professores, conciliar a ênfase e a pluralidade de informação através da multidisciplinaridade. Caso não haja tal equilíbrio, talvez seja melhor que não existam as ênfases.

        Gostaríamos de agradecer a atenção de todos que participaram da construção deste texto (desde a nossa abordagem até as respostas no formulário). Tivemos uma troca muito bacana com vocês e foi enriquecedor ver, ao menos um pouco, as diferentes formas de se organizar o nosso curso, bem como a opinião de todos. Apenas assim foi possível construir a Engenharia de Materiais, segundo os próprios engenheiros e futuros engenheiros. Nós, do Jornal A Matéria e do DEMa, esperamos vê-los novamente no próximo CECEMM e São Carlos estará de portas abertas para recebê-los!
[Texto retirado da 12ª edição do Jornal A Matéria, disponível em: https://bit.ly/EdicoesAMateria]