Throwback 13ª Edição - Não é Frescura

throwback 13-não é frescurathrowback 13-não é frescura 2

[THROWBACK A MATÉRIA]
Não é Frescura
Escrito por Augusto da Veiga e Enzo Buzatto


        Recentemente nós da equipe Jornal A Matéria fizemos uma consulta sobre os assuntos que vocês leitores gostariam que fossem publicados. O tema mais citado foi o do presente texto, o qual já estava planejado justamente para esta edição. Mas como lidar com um tema tão sensível quanto saúde mental? Temos certeza de que cada um de nós trava batalhas diárias com a própria consciência, e é justamente a individualidade destes conflitos que torna esta discussão tão delicada, pois o fardo que cada um carrega não pode ser generalizado. Aqui, queremos desmistificar a ideia de que saúde mental é uma questão de frescura da “geração mimimi” e também queremos que nossos leitores saibam que, por mais particulares que nossos problemas sejam, não podemos - aliás, não devemos - passar por eles sozinhos.
        Como o tema é amplo e o texto breve, manteremos o foco no contexto universitário. Mas antes de dar tal enfoque, vale citar alguns dados: segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 9,3% dos brasileiros sofrem com ansiedade e 5,8% apresentam quadros de depressão. Talvez as porcentagens não signifiquem muito, mas quando se transformam nas mas quando se transformam nas 11,5 milhões de pessoas com depressão e nas 18,7 milhões com ansiedade, talvez consigamos perceber que o buraco é mais embaixo.
Colocando isto em perspectiva, tem-se que São Paulo apresenta a maior taxa de ansiedade do mundo, e o nosso país possui a quinta maior taxa de depressão, se colocando como um dos maiores consumidores de antidepressivos do mundo, em 2017. Na universidade, teme-se que estes valores sejam ainda maiores devido à imensa carga emocional que ela demanda. Afinal, jovens que, há pouco, estavam com suas famílias, são jogados em um ambiente que inicialmente parece um paraíso: “estudaremos apenas o que quisermos, teremos tempo para relaxar”, e outras ilusões que são quebradas logo na primeira prova de cálculo (no mais tardar, na segunda). Então nos vemos em uma avalanche de compromissos, demandas e preocupações que aumentam exponencialmente e, quando não conseguimos acompanhar, nos sentimos incapazes.
        Junto a isso há uma competitividade, instaurada desde o ensino médio e cursinho, como na divulgação aberta dos resultados de simulados, em frases como “vocês que estão na aula já estão na frente dos seus amigos lá de fora” e naquela corrida frenética para que todos se tornem máquinas, a qual estimula a criação de um ambiente hostil em que as pessoas, na tentativa de obter melhores resultados, acabam tendo sua sanidade consumida aos poucos. Noites em claro, alguns litros de café e rezas a todas as divindades possíveis nos dias que precedem avaliações são extremamente desgastantes. Após essas situações, é frequente a pergunta: “valeu a pena?”. Mesmo que a resposta seja positiva, creio que a pergunta que deveria ser feita é: “precisava ser assim?”. Nossa sociedade parece sentir prazer em exaltar o sofrimento que precede o sucesso, quase que como uma narrativa heroica, o que pode ser visto nas reportagens de jornais sobre vestibulares: chovem textos sobre alunos que largaram suas vidas, amigos e hobbies para obter uma vaga na universidade. Por mais louvável que seja o esforço deles, a exaltação que os jornais realizam serve apenas para estabelecer tal comportamento como uma norma, o que aguça o problema.
        Ainda, graças ao estigma criado em torno de transtornos mentais, muitos de nós tentam se passar por durões, fingem que tudo está bem e tentam esconder suas angústias, apenas as relatando quando a situação está muito grave. Mas, quanto mais duros tentamos ser, mais frágeis nos tornamos. E aí é uma questão de tempo até que nosso emocional se rompa e entremos em colapso. Com isso surgem casos de crises de ansiedade, depressão e, em situações extremas, como as quais infelizmente foram observadas recentemente, suicídio. Quantos alunos terão que desistir de seus cursos, suas perspectivas, ou mesmo de suas vidas para que a sociedade perceba que isso não é frescura?
        Devido aos recentes acontecimentos (tornados públicos, mas que de recentes não têm nada), foram feitas palestras, mesas redondas e espaços para discussões foram abertos, sobretudo no Setembro Amarelo, mês que é símbolo da luta contra o suicídio. No XX CECEMM, houve a mesa redonda “Saúde mental na universidade”, a qual contava com Daniel Rodrigo Leiva (Dep. Engenharia de Materiais), André Luis Masiero (Dep. Atenção à Saúde), Janaína Cabello (Dep. Psicologia) e Felipe Soares Nascimento (estudante de Engenharia de Materiais), na qual se discutiu pontos que tangem todos os que necessitam ser colocados em pauta. Um fato importante é que, na universidade há alguns fatores de risco além da cobrança de desempenho, como o excesso de atividades, mudança repentina de modelos de referência de vida, abusos (desde drogas, até da falta de sono e excesso de estudo) e os modelos de vida restritos à profissão; tudo isto sem contar os fatores extra-universidade particulares de cada um. A soma de todos estes pontos com os anteriores já mencionados pode acumular tensões, as quais, acrescentadas a tensões residuais podem gerar trincas e rupturas. Porém, diferente dos materiais que estamos acostumados, nós não podemos ser reciclados depois de quebrados. Então, cabe a todos se demonstrarem presentes a amigos e parentes, pois mesmo aquela pessoa que parece estar bem e ser muito equilibrada pode estar passando por problemas, e um simples “estou aqui” já pode confortá-la.
        A universidade, claro, não deixa de ser uma amostra da sociedade individualista e competitiva à qual estamos submetidos, mas também é necessário ponderar o lado do professor, bem como encarar o sofrimento como algo natural à existência e como algo que necessita ser vivido para que possamos crescer como seres humanos. No entanto, a linha divisória entre o “sofrimento necessário” e aquele que causa danos é muito tênue e, talvez, é por isto que seja confundida. Além disto, um ponto importante e delicado é o perfeccionismo, muito bem discutido no texto “O perigoso lado ruim de ser perfeccionista”, de Amanda Ruggieri da BBC Future*. Nele, trata-se dos perigos de ser perfeccionista, por mais que tal comportamento seja tratado como virtude: “Dizer que você tem tendência a ser perfeccionista pode parecer um autoelogio. É praticamente uma resposta pronta para a célebre pergunta de entrevista de emprego”. E atualmente, nas universidades, é mais comum haver pessoas com veias perfeccionistas do que foi na década de 1990, segundo Thomas Curran e Andrew Hill, das universidades de York St John e Bath, no Reino Unido. Alguns pesquisadores diferenciam o perfeccionismo saudável, o qual motiva e disciplina, e o perfeccionismo nocivo, visto quando o seu melhor não é o suficiente e não atingir uma meta se torna algo frustrante: “Veja o exemplo de um aluno que estuda bastante e recebe uma nota ruim. Se ele diz a si mesmo: ‘Estou decepcionado, mas tudo bem; ainda sou bom de uma maneira geral’, é saudável. Agora, se a mensagem for: ‘Eu sou um fracasso. Eu não sou bom o suficiente’, está caracterizado o perfeccionismo”. Então, o perfeccionismo passa a ser uma forma autodestrutiva ligada ao senso de identidade. Cabe, então, um apoio individual que envolva uma interlocução entre todos os participantes da sociedade universitária.
        Um conceito relativamente novo, mas que se refere a uma prática milenar, é a inteligência emocional, ou atenção plena. Ela é uma terapia minimalista de controle dos processos cognitivos, assemelhando-se a uma “cientificação da meditação”. Há um preconceito em relação à meditação, muitas vezes por ser associada a uma prática religiosa ou mesmo aos monges tibetanos que ficam meditando por dias nas montanhas. No entanto, bastam 5 minutos de prática para que tudo isso caia por terra,e perceba-se, não só a complexidade, como também os efeitos positivos gerados. Em uma matéria explicativa sobre a inteligência emocional, “O que é (exatamente) a inteligência emocional?”, publicada por Ignacio Morgado Bernal no jornal El País Brasil**, o autor contempla as dúvidas mais comuns e quebra paradigmas em relação a ela: “Para alguns, a inteligência emocional é algo como um tipo de inteligência mais avançada do que a clássica, ou seja, do que a inteligência analítica, medida em testes que fornecem resultados em quociente numérico. (...) A inteligência emocional é a capacidade de lidar com as emoções usando a razão. As emoções são o exército indispensável que continuamente mobiliza a razão”. Um dos participantes da mesa redonda acima citada, André Luis Masiero, é um estudioso desta prática e, junto ao Departamento de Atenção à Saúde (DeAS), fornece ajuda ao público acadêmico através de oficinas, como a ofertada no mês de setembro para auxílio no controle da ansiedade, e está a disposição em frente ao Departamento de Engenharia Química, próximo à BCo, ou pelo telefone (16) 3351-8200.
        Vale ressaltar que o que mais importa é o bem-estar das pessoas, sendo secundário o meio pelo qual isso é conseguido. Principal, também, é uma conversa muito bem regulada entre os grupos de extensão (CAs, empresas juniores, etc), chefias e diretorias de curso, professores, alunos e funcionários. Isto só será promovido com o auxílio das pró-reitorias e com a divulgação de promoção de saúde mental na universidade. Tudo isso além, claro, da conversa entre amigos, próximos ou não, sempre levando em consideração a importância e a delicadeza do assunto, mas tendo em mente que ficar calado e ser conivente com os tabus só dificulta a melhoria da saúde mental de todos. Por fim, deve-se reiterar que pessoas qualificadas tais como psicólogos, psiquiatras e terapeutas devem sempre ser recomendados e procurados para um apoio adequado. Também, o Centro de Valorização da Vida (CVV) está 24 horas por dia recebendo ligações de prevenção ao suicídio de forma gratuita em todo o Brasil, através do número 188.
*disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44044126....
**disponível em:
https://brasil.elpais.com/.../ciencia/1540372846_255478.html
[Texto retirado da 13ª edição do Jornal A Matéria, disponível em https://bit.ly/EdicoesAMateria]