28 de Junho: Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+

Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+

Escrito por: Giovanni Rosalino

A Revolta de Stonewall e os caminhos brasileiros para a representação das homossexualidades.

        Devido à reclusão imposta pelo corona vírus, hoje (dia 28 de Junho) comemoramos a Parada Gay virtualmente, ouvindo, nas plataformas de streaming, os hits de sucesso dos anos 60/70/80, acompanhando, nas diversas lives do youtube e do instagram, os variados artistas que se espelham nos diferentes matizes da bandeira LGBTQI++ e, da maneira que conseguirmos, conversando com aquela ou aquele amigo que também quer se expressar e se movimentar neste dia tão especial.

        Apesar, no entanto, do caráter festivo e comercial do evento, da vitrine virtual que é oferecida, em meio às redes sociais, para as marcas de bebida, de roupa, de carro etc; em contradição à captura de dados que, mais para frente, controlar-nos-á em nossas escolhas, em nossos gostos e em nossos interesses; e, mesmo, ao revés da alegria e do despojamento que sentimos e expressamos em uma manifestação franca e acalorada --- é necessário e vitalmente importante que destaquemos as raízes históricas e humanas deste evento.

        Aqueles idos, os anos 60 e os 70, carregam em suas costas os mortos do Vietnã, os anseios dos movimentos de paz, de liberdade sexual, os conclames e as batalhas judiciais pela igualdade social entre homens e mulheres, e os ecos e os corpos do movimento negro pelos direitos civis.

        Em relação aos debates e às movimentações referentes à homossexualidade, por exemplo, em 1957, a pesquisadora Evelyn Hooker tinha publicado os resultados de um teste que comparava emocional e psicologicamente os homossexuais aos heterossexuais de classe e idade equivalentes. O resultado apontava que não existe qualquer diferença em relação às duas orientações sexuais e, além do mais, também endossava a crítica em relação ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM), o qual enquadrou a homossexualidade como distúrbio tanto psíquico quanto fisiológico até o ano de 1973, mesmo com os esforços precedentes da pesquisadora.

        A Revolta de Stonewall, assim, contextualiza-se em uma espiral de mudanças, a qual se seccionava em diversas frentes, sendo um dos catalizadores de uma luta pela dignidade humana, em associação com outras revoltas, outros movimentos, pessoas e ideologias.

        Falando detidamente de Stonewall, Stonewall Inn. era um bar localizado em uma periferia de Nova Iorque, nos Estados Unidos. O espaço era frequentado por aquelas e por aqueles que não podiam pagar muito pela entrada, por quem não conseguia ter acesso a outros bares de público masculino, heterossexual e branco (seja pela homofobia, seja pela transfobia, seja pelo racismo), por quem, além de sobreviver, em um emprego de baixa remuneração ou em um trabalho informal, como o da prostituição, procurava existir, viver.

        Embora, no entanto, os homossexuais e as travestis e os transsexuais tivessem tão pouco para exercerem o direito de serem quem bem entendessem, de procurar sua felicidade, os espaços, como Stonewall In., passavam por um polícia dos costumes, que prendia as pessoas que estivessem sem identidade e travestidas -- negando-se, assim, existências que fugiam ao padrão branco e hétero.

        Assoma que os homossexuais, há época, eram vistos como moralmente corruptíveis, como indivíduos propensos ao socialismo, ao crime, ao pecado e à pederastia -- como seres, enfim, malignos, inclinados a fazem mal àquela sociedade incorruptível, capitalista, heterossexual e católica.

        Essa polarização, esses conflitos sociais, por fim, estouraram, no dia 28 de Junho de 1969. Os homossexuais negros, os brancos e periféricos, as travestis e as transsexuais mostraram para os seis policiais que invadiram seu único espaço de acolhimento e dignidade que também eram seres humanos e que tinham o direito de viver como todo mundo.

        Os policiais, nesta noite, não conseguiram fazer revistas, levar camburões lotados às prisões, nem bater em quem lhes apetecesse: antes foram expulsados às pauladas, às cacetadas, em um misto de espanto e vergonha que colocava-os, finalmente, diante de suas própria violência e de seus próprios privilégios.

        A partir de então, como se a Revolta de Stonewall fosse um fio, um novelo de manifestações, de grupos homoafetivos, de marchas pelos direitos dos homossexuais, ganhou maior desenvoltura. Os homossexuais passaram, com mais ênfase, a declararem-se Gays, em um gesto de afirmação identitária e de orgulho que dificilmente mostrava-se a público antes de Stonewall romper os diques de opressão e violência.

        Como Estados Unidos era e ainda é uma potência econômica e ideológica, os veios de Stonewall foram adentrando-se a outros países, com maior ou menor resistência, a depender se os países sob a sombra dos Estados Unidos estavam ou não em um regime ditatorial, se estavam na legitimação ou na negação de um regime democrático.

        No caso do Brasil, durante o período da ditadura, a influência estadunidense que ecoou em terras brasileiras ganhou raízes no rompimento com as normas, na desconstrução de gênero, no fim à uniformidade comportamental dos militares.

        Os gender-fuckers (rompidores de gênero), que apareciam em programas de tv e em peças de teatro nos Estados Unidos, tomaram forma e representação, no caso brasileiro, por meio de figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Ney MatoGrosso. Este último, por exemplo, ao se apresentar com um raro contralto, em roupas cheias de brilho, ao mesmo tempo que com uma exuberância de pelos, e em um corpo masculino definido, rompia as barreiras de gênero e o engessado comportamento militar.

        Além do mais, o Brasil também contou com peças do grupo teatral Dzi Croquette, o qual rompia os padrões de gênero em suas apresentações e acalorava os debates a respeito das liberdades sexuais. Sem falar, ainda, na tão impactante visibilidade gerada pelas emissoras de televisão, principalmente por meio de personagens homossexuais estereotipadas, que em uma desmunhecação rasgada, em risos cáusticos de prazer e liberdade, davam a representação estrondorosa em tempos de ditadura.

        Destaca-se, aqui, o divertidíssimo Capitão Gay, personagem de Jô Soares (https://www.youtube.com/watch?v=fOagoZTT08Y), além do Chacrinha, que todos já conhecem, o qual ora se vestia de mulher, ora de homem, e contava com um repertório de piadas dúbias que brincavam com a masculinidade dos homens -- por exemplo, quem não conhece a famosa marchinha “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é… será que ele é” ? (...)

        Vê-se, assim, que a questão da homossexualdiade, no Brasil, seguiu caminhos próprios, em razão, principalmente, de um público consumidor moralista, o que gostava de rir e de desejar aquilo que condenava -- como, por exemplo, as playboys da modelo Roberta Close (uma das mais vendidas até hoje!).

        O rompimento de gênero, da uniformidade, a pornochanchada, o riso -- e tudo isso direcionado a um público consumidor -- foram os modos brasileiros de dar forma a uma visibilidade homoerótica que teve como um dos importantes impulsos originários a Revolta de Stonewall.

        Vale ainda destacar que, além das representações televisivas, a aids¹, também, foi um dos vértices para compor as representações hegemônicas da homossexualdiade brasileira.

        O modelo de consumo para ideologias, revoltas, que se movimentavam no mundo, perversamente continuou em relação à epidemia de aids -- mesmo com a notificação do estilista Markinhos (31 anos), em 1983, e a presença de alguns casos no ano de 1982, o Brasil comemorou seus carnavais (com presença maciça dos gringos estadunidenses) até 1984, absorvendo à epidemia às expensas das mortes e para o lucro das elites brasileiras.

        A hiv, no entanto, revelou um outro vírus, este muito mais perigoso -- o vírus do fascismo, do autoritarismo, do desprezo à vida: o qual permitiu que a epidemia fosse interpretada pelo viés do medo irracional, podendo mesmo ser entendida como um “Câncer Gay”. (TREVISAN, 2018)
        Endossa e reafirma esse ponto de vista o que disse a ensaísta Susan Sontag, no seu livro Aids e suas metáforas (2007), a saber: “as doenças infecciosas associadas à culpa sexual sempre dão origem ao medo do contágio fácil e a fantasias absurdas sobre a transmissão por meios não venéreos em lugares públicos” (SONTAG, 2007, p.95)

        A homossexualidade, assim, passou a ser temida, reencenando suas antigas associações ao pecado, aos distúrbios psicológico e ao crime.
Acresce ainda o que Emerson da Cruz Inácio (2016) disse, ao analisar as representações midiáticas mais populares em relação à aids -- segundo o pesquisador, as representações da aids relegaram o corpo à esfera do tratável, destituído, portanto, da sexualidade e dos prazeres.

        O homossexual, assim, no Brasil, voltou a ser temido, o doente, o pecador, sem direito a sua sexualdiade e aos seus prazeres.

        Entender as construção da mídia, mesmo que nos dê certa angústia pela falta de focos nos avanços dos direitos de toda a população LGBTQI++, faz-nos percebemos a importância das lutas, desde Stonewall, até movimentos LGBTQI++ que despontaram no Brasil durante a ditadura.

        Entender as construções da mídia, não nos deixa mais reféns de criarmos nossas identidade somente às custas dos algoritmos do instagram, do facebook e das demais redes sociais. Podemos procurar outras representações que não nos limite, que nos faça ser vistos de maneira estereotipada, somente para atender os interesses do capitalismo.

Viva o 28 de Junho! Viva Stonewall!


Notas:

1) A opção por “aids” em vez de “AIDS” corrobora a tese defendida por alguns pesquisadores de, com esse procedimento de escrita, diminuir e retirar o estigma associado ao hiv e à aids na linguagem (BESSA, 1997).
Além do mais, em “O Hiv, seu portador e o tratamento anti-retroviral” (2008), Bernardino Geraldo Alves Souto, em um tentativa de tirar o estigma associado ao hiv, defende que a aids é entendida como a manifestação clínica e orgânica do hiv. Assim, este texto,em conformidade com o pesquisador, pretende usar “aids” para as manifestações da doença, e hiv para se referir ao vírus.


Referências:

BESSA, Marcelo Secron. Histórias Positivas: (des)construindo a Aids. São Paulo: Record, 1997.

INÁCIO, Emerson da Cruz. “Carga zerada: HIV/AIDS, discurso, desgaste, cultura”. In: Via Atlântica 29. São Paulo, FFLCH/USP, v. 29, 2016. Disponível em: htttp//www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/118885.

SONTAG, Susan. Doença como metáfora / AIDS e suas metáforas. Tradução de Rubens Figueiredo e Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso. A homossexualidade no Brasil, da Colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.