21ª Edição: Histórias do DEMa - Porf. Canevarolo: A trajetória e as perspectivas ao longo da carreira

Texto por: Augusto da Veiga e Vitor Pires Peixoto

21ª Edição: Histórias do DEMa

        A coluna Histórias do DEMa desta edição conversou com o professor Sebastião Vicente Canevarolo Jr. Nessa entrevista, conversamos sobre sua trajetória desde seu ingresso no curso de graduação de Engenharia de Materiais da UFSCar, em 1974, até a atualidade, ressaltando momentos importantes na carreira do professor, além de sua percepção sobre a engenharia e a ciência nos dias de hoje. Esperamos que gostem de conhecer a história de mais um dos reconhecidos professores do Departamento e que — pasmem — tem uma participação essencial neste Jornal. (sujeito a modificações )

        1. O senhor pode nos contar um pouco sobre sua trajetória desde a escolha do curso, passando pela escolha da ênfase de polímeros, até chegar onde está hoje?

        Eu tinha que passar em uma universidade pública por motivos financeiros e foi aí que prestei o vestibular da época e entrei para Engenharia de Materiais na UFSCar, em 1974. O início do curso não foi um problema, pois sempre gostei de estudar e tinha muito interesse por ciência e, após as introduções — como se chamavam as antigas matérias de Materiais Metálicos, Cerâmicos e Poliméricos —, meu encanto pela química me levou para a ênfase de polímeros. Gostava igualmente das três, mas esta era uma área da química mais aplicada que atiçava minha curiosidade e, claro, não posso deixar de mencionar a influência do Prof. Agnelli, um dos maiores didatas que a UFSCar já teve, com quem tive a oportunidade de estudar, aprender e criar um forte laço de amizade.
        Me formei em 1978 e fui contratado em 1979 como auxiliar de ensino. Fui um dos primeiros alunos a entrar no mestrado e, depois, pude fazer doutorado na Loughborough University of Technology, na Inglaterra, onde pude aprender os costumes ingleses, a língua e, no sentido acadêmico, os conceitos de método e lógica científicos. Mais tarde, fiz pós-doutorado na Itália, na Università degli Studi di Salerno, expoente das artes neoclássicas, onde aprendi sobre essa faceta levado pelo prof. Francesco de Candia a absorver conhecimentos sobre o mundo clássico grego e o Renascimento, tendo contato, assim, com as artes e sua beleza, além do estudo técnico em engenharia.
        Com todos esses conhecimentos da graduação, estágio e pós-graduação, chego, então,aos dias de hoje tentando fazer sempre o melhor e nunca estando satisfeito com o resultado dos dias anteriores. Apesar de ter idade para me aposentar, ainda continuo buscando, cada vez mais, conseguir fazer um trabalho melhor.

        2. O senhor foi responsável pela criação do I CBPol, e membro fundador e diretor da ABPol por mais de 20 anos. Quais foram os principais aprendizados com essas experiências?

        Em 1944 a Associação Brasileira de Cerâmicas (ABC) havia sido criada, em 1955 a de Metais (ABM — hoje ABMM), e já estávamos em 1988 e ainda não existia uma “ABP”. Então, em uma dada manhã, bem próximo do almoço, eu e mais alguns professores, como Rosário, Silvio, Sousa e Pessan, decidimos criar a Associação da nossa área, que teve que ser registrada como ABPol, por já existir a Associação Brasileira de Psicologia. Participei como sócio fundador e membro da diretoria provisória, em que fiquei por alguns anos até me tornar vice-presidente.
        Em 1991, pensamos em criar um congresso com uma grande audiência. Para que isso acontecesse, precisávamos de uma cidade grande. Então, resolvemos alugar o maior anfiteatro disponível, em São Paulo, no Anhembi, para realizar o I CBPol. A audiência foi fantástica, por volta de 1000 participantes, em uma época sem internet e celular, e as histórias geradas por tudo isso são inesquecíveis.
        Para aumentar a oportunidade de divulgação e aprendizado da ciência produzida pela comunidade polimérica na ABPol, criamos a revista “Polímeros: Ciência e Tecnologia”, da qual sou editor chefe. Assim, misturamos a indústria com a academia e conseguimos desenvolver uma revista de fator de impacto 1, muito por conta da ABPol e da luta de todos para que ela crescesse.
        Depois, ainda, criamos reuniões para discutir assuntos técnicos, das quais trazemos muitos aprendizados e histórias. Uma delas é o desejo de que a ABPol tivesse uma biblioteca própria que reunisse e emprestasse livros de polímeros, que eram escassos no Brasil. No entanto, a ideia foi modificada e decidiu-se pelo apoio à publicação e tradução de livros para a língua portuguesa, esperando difundir ainda mais o conhecimento na nossa área. Até hoje, a ABPol participou apoiando a edição de mais de 30 livros de autores nacionais, o que impactou de forma marcante autores e leitores brasileiros.

        3. Como foi o processo para sua sugestão do nome do Jornal A Matéria, quando da fundação do projeto?

        O Vítor Covre, um dos fundadores do Jornal, já tinha me procurado algumas vezes a respeito da criação do Jornal e eu sempre o apoiei, como qualquer outro professor. Conforme a ideia foi tomando forma, ele voltou mais uma vez à minha sala com uma ideia de nome. Eu refleti sobre ela e pensei numa possibilidade de nome que trazia consigo uma ideia que tangia desde a química até o próprio jornalismo. Acrescentamos o artigo definido para ter um sentido objetivo e assim se definiu o nome atual — A Matéria.

        4. No seu tempo como professor no DEMa, o senhor observou muitas mudanças no curso e no perfil dos/as estudantes que passaram pela Engenharia de Materiais?

        41 anos de colaboração como professor do departamento é bastante tempo. Muita coisa pode e deve mudar, mas o que realmente importa são as grandes mudanças, e em relação ao curso, pouca coisa realmente mudou. O estágio obrigatório de 6 meses, por exemplo, é do mesmo jeito desde 1973, com a única diferença que antes o professor orientador visitava a empresa para ver o trabalho dos estudantes, o que atualmente não acontece mais. Pode-se lembrar de algumas mudanças no currículo, mas nenhuma mudança significativa no cerne do curso. Estamos atrasados? Não, mas talvez também não estejamos tão adiantados. Acontece que a ideia do curso de Engenharia de Materiais foi tão revolucionária no final da década de 60, que até hoje, de certo modo, continua sendo uma revolução.
        Em relação aos estudantes, acredito que aí sim podemos observar uma mudança mais significativa. Excluindo o fator da minha idade, posso dizer que o que eu notei de diferente é que os alunos de hoje são muito mais pragmáticos e muito mais seletivos. Não sei se isso acontece porque a sociedade exige isso deles, se os meios de comunicação induzem, se a situação financeira influencia, enfim. Mas o fato é que são muito mais pragmáticos, o que é ótimo para a engenharia, pois, quanto mais pragmático, melhor engenheiro ele será. No entanto, lembrando da minha estadia na Itália, o custo a ser pago pelo pragmatismo é a diminuição do lado romântico, ou artístico. No entanto, na vida pessoal, e em determinadas situações da vida profissional, um certo grau de romantismo acaba por também demonstrar sua importância, então o ideal é o equilíbrio e o convívio dessas duas características, assim como o Yin-Yang. Então temos só a crescer, e juntando o pragmatismo e o romantismo, um dia chegaremos lá.

        5. Daqui para frente, como o senhor enxerga o processo de inovação pelo qual o Departamento vem passando, com o Movimenta Materiais, por exemplo?

        Como engenheiro, eu encaro esses processos como condições de contorno para que a mudança ocorra. Assim como precisamos fornecer as condições adequadas para uma reação química acontecer, precisamos fornecer meios para essas inovações, e então elas acontecerão. Em relação ao Movimenta, me parece que as condições estão sendo dadas, e eu torço para que aconteça a inovação pretendida.
        Devemos pensar em gerar condições para que as reações aconteçam, e acredito que essa seja uma das funções dos projetos de extensão, como o Jornal A Matéria. Isso pode ser feito por qualquer um, e o Jornal pode muito bem criar esse ambiente de discussão, promover um ambiente que gere a energia de ativação necessária para que as coisas aconteçam.

        6. Quais foram os principais desafios nesse processo de mudança para o meio online, por conta da pandemia de COVID-19?
        Não deve ter sido fácil para ninguém, como também não foi fácil pra mim. Ainda não sei se consegui me adaptar, apesar de a UFSCar ter dado tempo suficiente para conseguirmos nos preparar, foi uma mudança radical, e como eu que estava há 40 anos dando aulas de uma certa maneira, tive que mudar quase tudo. É como dizem: “Em não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Então foi assim que nós professores acabamos encarando isso, mesmo estando completamente acostumados a outro modo de ensino.
        Muitos professores já tinham decidido que voltariam a dar as aulas de forma síncrona, mas eu resolvi gravar as aulas e já ir deixando preparado, então tive que repensar todas as aulas, todos as apresentações, gravar as aulas e editar tudo. Então, para uma aula de 20 minutos disponibilizada, eu demoro de 30 a 35 minutos para gravar, 4 horas para editar, e, para preparar a apresentação, levo mais duas semanas de trabalho contínuo junto com outras atividades que temos que fazer. E tudo isso sem ter tanta noção se os alunos estão acompanhando, sem saber muito bem como está o ensino em relação ao presencial, o que gera uma enorme insegurança durante a gravação das vídeo-aulas em relação ao aprendizado. A aula síncrona é o momento do resultado, de saber se o estudo por vídeo-aulas foi produtivo.
        Apesar de tudo, acredito que no final a mudança gerou frutos de satisfação, e isso é algo muito importante. Mas o balanço só será feito quando tudo voltar, aí sim saberemos se deu certo, e espero que essa seja a realidade. Acredito que os alunos também devem tentar fazer o melhor, para que no fim possamos avaliar que o tempo não foi perdido, e que no final desse tempo de pandemia, tenhamos ganhado muito mais do que perdemos.

        7. O senhor gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores e leitoras?
        Não sou vidente nem mago, mas, na intenção de ajudar, acredito que é o que eu sempre tenho dito. Pode ser piegas, mas o importante é ser ético e justo, mesmo sendo difícil. Apesar dos pesares, seja ético e justo, e seja firme em seus princípios. Ética e justiça significam pragmatismo, mas também é importante ter um pouco de romantismo e de risco. Saiba equilibrar o romantismo do seu lado pessoal e o pragmatismo do lado profissional. O sucesso, tanto pessoal, como profissional, será apenas a justa consequência.

[Texto retirado da 21ª Edição do Jornal A Matéria, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]