21ª Edição: Curiosidades - Abismo da Pseudociência

Texto por: Gabriella Barcellos e Laís Ronqui

21ª Edição: Abismo da pseudociência

        É inerente ao homem a vontade de compreender o mundo ao seu redor e procurar maneiras de obter respostas para reflexões e indagações que surgem dessa busca. Porque as coisas caem? De onde viemos e para onde vamos? Porque o céu é azul? Dessa curiosidade quase instintiva, a religião e a ciência surgem como possíveis fontes de respostas.

        Porém, há um limiar no qual muitas pessoas se perdem, nas fronteiras entre suas crenças e a realidade factual, onde mesclam tais ideias e criam justificativas “científicas” para tentar fundamentar aquilo em que acreditam. Esse fenômeno denomina-se pseudociência.

        Tal fenômeno atualmente é visto em ascensão no Brasil e no mundo.Impulsionado pelas redes sociais, podendo ser encontrado até mesmo no nosso sistema judiciário e no SUS (Sistema Único de Saúde), onde pode ser observado na homologação do conjunto de terapias conhecido como ‘’Práticas Integrativas e Complementares’’, que inclui “constelação familiar”, cromoterapia, reiki, dentre outras práticas e teorias sem comprovação científica, a pseudociência acaba por poder influenciar até na saúde das pessoas, o que pode ser um tanto quanto preocupante.

        Todavia, este texto não tem a pretensão de diminuir a crença de ninguém, o tema a ser questionado é o uso indevido da ciência para comprovar doutrinas que nunca se utilizaram do método científico. Portanto, o papel do cientista é se dispor da comunidade e, com humildade, explicar o quão nocivas podem ser as práticas pseudocientíficas aplicadas em um meio social, sobretudo em um país em que a ciência geralmente é colocada em segundo plano.

        Dentre os nichos existentes dentro das pseudociências temos um personagem que vem tomando diversas formas e facetas atualmente, o famoso “coach quântico”. Este, diz basear-se em divulgar e até ensinar física quântica para a promoção do autoconhecimento, desenvolvimento pessoal, e até cura de alguma patologia. Seus ensinamentos passam por conceitos errados da mecânica quântica, utilizando-se de palavras técnicas fora de contexto para dar uma roupagem científica à sua fala e aumentar sua credibilidade.

        O problema se dá quando as proporções dessas falas se tornam irreais e acabam afetando a vida das pessoas que seguem esses personagens. Com o intuito de aprofundar o conteúdo do texto, diversos vídeos desses ''especialistas'' foram assistidos — os quais não serão referenciados para não aumentar a difusão de desinformação. Em um desses vídeos, precisamente sobre o tema do coronavírus, um homem que se intitula ‘’profissional’’ do “thetahealing” discursa estas exatas palavras: ‘’Vírus estão relacionados a questões de dignidade, de merecimento, de não se sentir merecedor de Deus’’. Ou seja, na visão dele, são as pessoas que atraem o vírus para si, culpabilizando a vítima e inferiorizando-a por não ser ‘’merecedora de Deus’’. Além disso, coloca a pessoa como responsável por essa situação, o que muitas vezes pode fazer com que esses indivíduos tomem atitudes ainda mais prejudiciais, como se negarem a tomar vacina ou ir ao médico, já que caberia exclusivamente a eles decidir se ficariam doentes ou não.

        Outro ''profissional'' diz que através da mecânica quântica podemos conhecer a qual frequência nossos sentimentos vibram. Por exemplo, caso alguém sinta vergonha, a pessoa vibra a 20 Hz, e completa que sentimentos como a felicidade causam maiores vibrações e aproximam as pessoas de Deus. Porém, essa teoria não apresenta nenhum embasamento científico e, portanto, não pode ser tomada como real. Além disso, os impulsos elétricos estão no mundo macroscópico, sendo regidos pela mecânica clássica e não pela mecânica quântica.

        Dessas diversas afirmações sem fundamento, novamente esses personagem colocam a vítima em posição de culpada, jogando o peso de estar triste ou em depressão em suas costas, reduzindo as chances de elas procurarem profissionais qualificados para tratar de seus problemas, como psicólogos e psiquiatras. Essa interferência pode levar, muitas vezes, ao agravamento do quadro depressivo ou a situações mais drásticas, ao invés de colaborar para a saúde das pessoas.

        As pseudociências se aproveitam desse distanciamento entre ciência e sociedade e começam a dialogar com as pessoas de uma maneira fácil e compreensível trazendo supostas respostas para aqueles que as procuram. Cabe a todos/as os/as cientistas, estudantes e professores/as estreitarem essa distância e trazer a população para mais próximo da ciência, aprender a dialogar e explicar, e, quem sabe assim, novas dúvidas surgirão, mas sempre acompanhadas de respostas bem fundamentadas.

[Texto retirado da 21ª Edição do Jornal A Matéria, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]