[20ª EDIÇÃO] Como se Organizar no Ensino Remoto e Combater a Procrastinação? Entrevista com a Especialista Liane Barostichi

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[20ª EDIÇÃO]

Como se Organizar no Ensino Remoto e Combater a Procrastinação? Entrevista com a Especialista Liane Barostichi

Escrito por: Eduardo Bouhid, Gabriela Mayer, Guilherme Koga e Mayumi Nakahashi

        A pandemia de coronavírus impôs às universidades públicas brasileiras uma realidade jamais vista antes: o ensino não presencial emergencial. No DEMa, cerca de 550 alunos de graduação e aproximadamente 200 alunos de pós graduação estão realizando suas atividades remotamente, desde o momento de assistir às aulas até a realização de avaliações e apresentações de trabalhos. Nesse cenário, é muito comum a procrastinação nos estudos e a falta de organização, haja vista que em nenhum outro momento os estudantes passaram todo o semestre distante do ambiente físico universitário. Segundo a psicologia, procrastinação é o “atraso voluntário de uma ação pretendida, apesar de saber das consequências desvantajosas dessa escolha” [Ref]. Em muitas situações, a procrastinação não acarreta em graves consequências, porém no ensino remoto, estudos apontam que sim, já que a nova realidade exige maior auto-organização para contornar distrações outrora inexistentes.

        Em meio a esse período de ENPE (Ensino Não Presencial Emergencial), em que listas de exercícios e trabalhos acumulam-se incessantemente - o que faz a ideia de combinar em um dia períodos de estudo, descanso e lazer parecer uma utopia - entrevistamos a coach e analista comportamental Liane Barostichi, licenciada em matemática pela UFSCar e mestre em Engenharia da Informação pela UFABC, para esclarecer alguns pontos sobre estratégias de estudos e obter dicas para organizar uma rotina de trabalho efetiva. Para ela, a chave para conseguir estudar em casa de forma mais consistente e ativa é o planejamento.

        De um modo geral, driblar a procrastinação e vencer o desânimo na hora de estudar em casa, realidade em que os próprios alunos conduzem sua rotina, exigem algumas táticas introduzidas no cotidiano a fim de contornar a tendência de desorganização. Porém, antes de inserir qualquer estratégia prática, Liane orienta: “A primeira coisa é ter clareza do que está fazendo e o porquê, para então partir para a ideia de listar todas as prioridades que irão guiar a sua rotina durante a semana.” Com a lista definida de prioridades em mãos, é hora de se responsabilizar pelas tarefas e partir para a ação: “É importante não se esquivar do que precisa ser feito, e uma boa alternativa é fazer as atividades mais trabalhosas, ou as que menos gosta, durante as primeiras horas do dia, para que seu cérebro elimine a culpa e a cobrança, e o restante do seu tempo disponível flua melhor”, pontua Liane. Quando o assunto é vencer a procrastinação, é necessário criar uma rotina em casa que comece logo pela manhã, e a especialista afirma: “Acordar e dormir mais cedo, em um horário fixo, permite ao estudante mais horas disponíveis ao longo do dia para render nos estudos. Para aqueles que acreditam render mais à noite, vale o desafio: dormir mais cedo para então observar se os hormônios produzidos durante a noite de sono realmente promovem maior ânimo durante o dia.”

        Nesse cenário de estudo remoto, em que casa e sala de aula se unem em um, convém ressaltar a necessidade do uso de uma roupa apropriada durante os estudos: “Durante uma rotina de aulas presenciais, hábitos matinais somados ao processo de se trocar para ir à universidade é um exercício estruturado que envia mensagens ao cérebro de que aquele é o momento de ser produtivo, diferentemente de um final de semana, por exemplo. Então, vestir-se como usualmente seria na universidade é de extrema importância para que a mente consiga diferenciar um dia de estudos de um domingo preguiçoso.” Ainda na rotina matinal, a especialista sugere: “É interessante acrescentar uma música mais agitada que gosta, a fim de despertar, e que também seja ouvida todos os dias no mesmo horário, para criar uma noção de rotina.”

        No que se refere à escolha de um melhor horário para se concentrar nos estudos, a coach destaca que quando se tratam de cursos integrais é difícil selecionar um único momento para que o aluno estude mais efetivamente, já que o estudante precisa render o dia todo. Então, em vista dessa necessidade de entrega a maior parte do tempo, Liane enfatiza: “Para que o dia seja produtivo é preciso separar um tempo para pausas e autocuidado, e uma interessante ferramenta é a técnica Pomodoro. Essa técnica consiste em focar nas atividades durante 25 minutos para então pausar 5 minutos, e a cada quatro grupos de 25 minutos separar 30 minutos para descanso.” Ela ainda salienta que durante os minutos que o estudante está realizando as atividades é comum a mente lembrá-lo de outras que precisam ser feitas, a fim de levar à desconcentração. Para vencer isso, a especialista deixa uma dica para os leitores: “Uma boa técnica é deixar um papel ao lado durante o momento de estudo, para que tudo que seja lembrado seja também anotado, e então o aluno não esqueça, mas também não precise parar o que está sendo feito no momento.”

        Além disso, Liane ressalta outra estratégia oportuna para se concentrar logo que se iniciam os estudos, que é preparar o que será necessário já no dia anterior, e explica: “Baixar listas e imprimir um material previamente retira a necessidade do aluno em navegar pelo email e por links que, consequentemente, levarão ao interesse por vídeos e mensagens de amigos, tal como à auto sabotagem e à desconcentração.”

        Tendo em vista que o semestre 2020/2 está em andamento já há algumas semanas, é natural que as atividades de quem ainda não se organizou corretamente estejam acumuladas, o que gera estresse e preocupação. Nesse cenário, Liane recomenda, em um primeiro momento, verificar e anotar tudo o que precisa ser feito e, principalmente, ser muito sincero consigo mesmo: é viável realizar as tarefas? É realmente possível recuperar determinada disciplina? Caso não seja possível, a coach ressalta: “Não adianta carregar um peso o semestre inteiro sabendo que já não é mais possível recuperar. Normalmente, os alunos carregam muitas disciplinas e não dão conta, levando a muitas reprovações”. De posse da lista de tarefas possíveis de serem realizadas, o segundo passo é definir as prioridades: “Imagine que tudo caiu em um rio e que você pode salvar apenas uma tarefa por vez, o que você salva primeiro? E depois? “Sabendo as prioridades, é hora de começar organizando sua semana, com um tempo de estudo diário e, claro, separando um tempo para você mesmo: “Ao tentar recuperar três semanas em uma, você acaba sacrificando seu autocuidado e isso não funciona, os resultados não serão satisfatórios. Com um tempo de descanso, as horas de estudo rendem muito mais.” Por fim, a coach ressalta que é muito importante ser gentil com você mesmo: “Siga um passo de cada vez e tudo caminhará melhor se você estiver disposto a fazer o que é prioridade na sua vida.”

        Outro ponto crítico que afeta muitos estudantes é o excesso de autocobrança, segundo nossa entrevistada. Ela ressalta que é importante ser o melhor que você pode a cada dia, mas que não adianta se cobrar em excesso, principalmente tendo em vista o momento conturbado que vivemos em meio à pandemia: “É melhor separar menos coisas para você fazer e gerar mais prazer no que você está fazendo do que separar muitas tarefas e adicionar culpa nesta equação toda.” Liane destaca que, quando conseguimos concluir todas as tarefas da nossa lista, produzimos “hormônios da felicidade” que nos ajudam a seguir e querer produzir ainda mais no dia seguinte. Por outro lado, quando colocamos tarefas em excesso na lista, de forma irrealista, nos sentimos culpados quando não cumprimos todas e é difícil seguir em frente, criando uma bola de neve.

        Ademais, nossa entrevistada deu uma dica muito proveitosa para a rotina de planejamento: planejar o dia seguinte na noite anterior. Dessa forma, segundo ela, o cérebro é capaz de ajustar e programar tudo o que deverá ser feito, e, quando começar o dia, todo o processo será mais rápido, e renderá muito mais. Em todas as noites, também é pertinente analisar o dia que se passou, ressalta: “Antes de planejar o dia seguinte, veja o que você conseguiu fazer, o que não conseguiu e pense em como ajustar o que ficou para trás. Além disso, comemore cada detalhe e cada conquista do dia, assim você estará mais motivado no dia seguinte.”

        Um cenário muito comum entre os estudantes é estarem muito motivados no início do semestre, realizando todas as tarefas com muita disciplina e cuidado, mas, com o passar dos inúmeras encontros síncronos no Google Meet e entregas no AVA ou Google Classroom, a motivação diminui constantemente. Segundo Liane, isso se deve a uma cultura existente entre os alunos: “A cultura que nós temos hoje é o foco na aprovação, na nota final, desde o momento que nos inscrevemos nas disciplinas. Os alunos não aproveitam o hoje, o processo, o que os levarão até o fim.” Para a coach, o segredo é lidar com cada disciplina como um caminho, no qual você irá aprender e se desenvolver: “Você deve ter a clareza de que o que importa é o processo, o que você deve fazer e o quanto deve se desenvolver hoje para ser o melhor profissional possível. Assim, você não estará vivendo o fim do seu semestre diariamente, você estará vivendo seu processo de aprendizagem e desenvolvimento de forma tranquila.”

        Também perguntamos à Liane sobre aplicativos e ferramentas de organização pessoal. Apesar da grande oferta de soluções tecnológicas disponíveis na internet hoje, ela afirma ser adepta dos métodos tradicionais: “Na verdade, eu sou da caneta e papel, mesmo (risos). O que acessamos no cérebro usando caneta e papel não pode ser acessado usando o celular. O ideal é ter uma agenda ou planner e fazer o planejamento semanal.” Mesmo assim, ela recomenda alguns aplicativos que podem ser de grande ajuda para o planejamento: “em termos de aplicativos, recomendo o Google Agenda, ou a agenda do próprio celular, para registrar os compromissos fixos. Agora, quanto às tarefas do dia, o ideal é elaborar uma lista dos afazeres - e é importante que essa lista seja feita na noite anterior. Para essa lista, um bom aplicativo para substituir a tradicional folha de papel é o Trello, e ele pode funcionar como agenda, também.” Além disso, a coach nos contou que é importante que a agenda tenha alguns espaços vagos para lidar com os imprevistos da semana - “Se no dia anterior eu não consegui fazer tudo o que estava planejado, posso terminar as tarefas que faltaram usando esses intervalos.” Entretanto, ela conclui o raciocínio alertando que é preciso ter cautela ao optar pelo uso de tecnologia para a organização pessoal: “o ponto principal quanto ao uso de aplicativos é “menos é mais”, se você já tem dificuldade de se organizar, provavelmente mais aplicativos vão comprometer o foco, e você acaba passando mais tempo planejando do que executando.”

        É fato que muitos alunos têm dificuldade em dosar os momentos de lazer ao longo da rotina em casa. Isso pode acontecer por diversos fatores, e a especialista Liane deu algumas dicas para identificar os motivos dessa dificuldade, bem como contorná-los. Primeiramente, ela ressalta a importância do descanso entre os períodos de estudo: “A vida necessita de equilíbrio. É como se cada aspecto da nossa vida fosse uma engrenagem, e nós fossemos um sistema composto por essas engrenagens ligadas entre si. Para tudo funcionar, todas elas devem estar funcionando. É preciso saber que o tempo de descanso também é uma prioridade.” Nossa entrevistada conta que uma causa comum dessa hesitação em introduzir momentos de lazer na rotina, é o sentimento de culpa que advém do período de ociosidade: “Geralmente, quem tem dificuldade em tirar esse tempo de descanso sente que não tem esse ‘direito’, que não vai dar conta das obrigações se der essa pausa. Para os alunos que se sentem assim: é preciso entender que o seu valor não é dado por uma nota no final do semestre, você é um ser humano completo e precisa se valorizar. Ninguém pode fazer isso por você, tem que partir de dentro.” Por outro lado, também existem os alunos que evitam as pausas para descanso pois sentem dificuldade para retomar o trabalho. Para estes, a dica da coach é certeira: “é preciso ter autorresponsabilidade - coloque um timer no celular, e quando ele apitar, pare. É de extrema importância que você esteja totalmente presente tanto no estudo quanto no descanso, aproveitando o lazer sem se sentir culpado.” Liane ainda se aprofundou conosco na questão do exercício físico: afinal, ele deve ser considerado um período de descanso ou não? Para ela, depende de cada pessoa - “Exercício físico é saúde, é importante. A questão é se você gosta ou não. Se o exercício te dá prazer, é um momento de descanso. Agora, se é uma atividade que você faz por obrigação, deve ser tratado como obrigação.”

        Em seguida, abordamos o tema das principais diferenças entre o home office e o dia a dia presencial. Um sentimento que era bastante comum no início da transição para o ensino remoto e ainda aflige grande parte dos estudantes é o de que o ENPE é mais cansativo do que as aulas presenciais. Nossa especialista explicou o porquê desse fenômeno: “Na rotina comum, é meio que ‘segue o fluxo’, você tem horário para estar em determinado local, se você tem compromissos - como uma aula -, sabe que vai ter gente te esperando. Mesmo quando acabamos de entrar na universidade, embora estejamos perdidos, tem os veteranos que te explicam como as coisas funcionam, e a coisa vai fluindo - nosso cérebro já está acostumado com a rotina presencial e se adapta rapidamente a essas mudanças mais sutis. Isso não acontece com a rotina remota; ninguém passou pelo que estamos passando, e o desafio maior é esse.” Além da explicação, ela nos deu dicas para aumentar a produtividade nesse período atípico: “É bem comum que durante a aula online, os estudantes não estejam de fato engajados na aula - seja por ficar olhando para o teto, vendo mensagem no celular ou assistindo alguma outra coisa -, e para que isso tudo funcione, você precisa estar presente de verdade, precisa ter força de vontade. Durante o ensino presencial, o ambiente, a convivência e as pessoas te olhando faziam você se policiar e se envolver mais com as coisas. Uma coisa que pode ajudar muito no rendimento acadêmico é abrir a câmera e ficar presente na aula, tentando reproduzir os mesmos métodos de estudo usados na sala de aula presencial - se você costumava participar das aulas fazendo perguntas e interagindo com o professor, busque fazer isso nas aulas síncronas. Em suma, é preciso pensar no seu cotidiano de antes, analisar a rotina atual e aplicar, na medida do possível, o melhor das duas.”

        Finalmente, um aspecto de grande relevância para nós, estudantes em isolamento, é ter um bom espaço de estudos. Liane abordou esse tema e nos deu algumas dicas que podem contribuir para a construção de um bom ambiente de trabalho: “Primeiramente, é importante que esse espaço seja claro, de preferência com luz natural, isso ajuda bastante a manter nossos níveis de vitamina D e também tem um papel importante no equilíbrio emocional. Outro ponto importante é evitar o excesso de informação visual - uma área da casa que dê para ouvir muitas pessoas falando, um quarto com televisão ligada, uma mesa cheia, muitas coisas coladas na parede são exemplos de coisas a se evitar.” Outro ponto destacado por ela é que um espaço de estudo ideal não é um fator imperativo para se ter um semestre proveitoso - “O mais importante em um ambiente de estudo é o aluno: quem é o aluno que você está levando a esse ambiente de trabalho? O que esse aluno quer conseguir na vida? O que ele está disposto a entregar para conseguir essas coisas?”. Liane conclui o raciocínio afirmando que é preciso ter autoconhecimento, e saber dosar a carga de trabalho considerando o ambiente em que se está inserido: “O mais importante é fazer o melhor que você pode com o que tem no momento em que está, e passar menos tempo questionando as circunstâncias. Às vezes, não dá para ter um ambiente totalmente apropriado, e é preciso lidar com isso. Nesse processo de lidar com isso, pode ser que não dê para puxar 6 disciplinas, e você tenha que fazer uma quantidade menor de matérias no semestre, mas é isso que o momento está oferecendo e é preciso saber extrair o melhor disso.”

        Esperamos, com este texto, elucidar nossos leitores acerca da importância da organização pessoal e seu impacto na produtividade, especialmente neste período atípico de atividades letivas. As dificuldades da rotina remota podem ser amenizadas com planejamento e dedicação - e sempre, claro, com respeito à própria saúde mental e às diversas realidades que cada estudante se encontra. Destacamos, ainda, que apesar dos desafios que trouxe para os estudantes, docentes e a comunidade acadêmica em sua totalidade, o ensino remoto desempenha um papel fundamental para o cumprimento das medidas de isolamento social, que são imprescindíveis no combate à pandemia de coronavírus. Cuidem- se, não deixem de lavar as mãos, evitem aglomerações e digam sim à vacina. Esperamos, em breve, ver todos vocês em um lançamento no saguão do DEMa.

[Texto retirado da 20ª Edição do Jornal A Matéria, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]