[18ª Edição] Os Caminhos do Empreendedorismo

Os caminhos do empreendedorismo


Escrito por: Enzo Buzatto e Lia Kim

        Empreendedorismo: uma palavra que caiu nas graças dos empresários e estudantes, um conceito do qual todos falam mas que poucos entendem, ou melhor, sentem o que realmente significa (nos incluímos neste último grupo). Empreender, nas palavras de Sérgio Rossitti, Líder do Grupo Metal, “não significa só ter a sua empresa, você pode ser empreendedor nas pequenas coisas, mesmo no estudo, laboratório, em qualquer coisa. Ser empreendedor… significa fazer alguma coisa de forma mais racional, mais interessante, que seja um avanço naquilo que estão fazendo”.
        Claro que nem toda ação empreendedora é bem sucedida. Há um longo período de trabalho árduo entre ter uma ideia e executá-la, inspiração somente não basta. É preciso recursos, tempo, planejamento e dedicação. Nosso objetivo, neste texto, é mostrar alguns exemplos de empreendedorismo que foram concebidos por membros do DEMa: suas inspirações, dificuldades e experiências. Esperamos que vocês, leitores, possam aprender com eles tanto quanto nós.
        Primeiramente, enfatizamos que não existe um protocolo a se seguir nem uma idade correta para empreender, foi o que nos mostraram as experiências de Sérgio Rossitti - que assumiu a própria empresa depois de ter defendido o doutorado e trabalhado em duas grandes empresas, além de uma multinacional na área de metais - e dos fundadores da Tritec - Murilo Santos, Paulo Camargo, Murilo Moreira e colegas da USP que começaram o empreendimento ainda no início da graduação, com pouca ou nenhuma experiência profissional. Mas, mesmo que as ações empreendedoras não apresentem um percurso, um caminho ideal, elas possuem um ponto de partida em comum: todas nascem de uma ideia, inspiração, seja ela motivada por um desejo de explorar um novo nicho, por um ímpeto de mudar algo na sociedade ou por uma oportunidade.
        A Afinko, por exemplo, surgiu quando seus fundadores, que têm experiência em laboratórios, perceberam que poderiam investir no mercado de análises e ensaios laboratoriais. Mas, claramente, não bastava realizar ensaios pois, ao entrar em um mercado novo, é necessário algum diferencial para ganhar espaço. Tendo isso em mente, a Afinko se diferencia no tocante aos prazos para as análises, entregando resultados nos prazos estipulados pelos clientes. Já a Tritec, que foi uma iniciativa na área de impressão 3D - e que, infelizmente, não atua mais hoje em dia -, buscou diferenciar-se pela origem dos materiais utilizados: visava-se a utilização de filamentos advindos de materiais reciclados, com um aspecto social de ajudar catadores a obterem melhores condições.
        Um caso um pouco fora da curva é o do ex-aluno Luiz Fernando Ruocco: apesar de ter se formado em engenharia de materiais, sua área de atuação atual é o marketing digital, na empresa Rocky. Inicialmente, ele tentou aproveitar uma oportunidade no crescente mercado de startups, observando que “os brasileiros eram muito criativos, tinham boas ideias, queriam que essas ideias rendessem dinheiro, porém não sabiam como operá-las, visto que era muito burocrático e na época não tinha muito acesso a esse tipo de informação”. Tendo isso em mente, ele criou uma pré-investidora, cujo princípio era que ele ajudaria na construção da empresa e, em troca, se tornaria sócio dela, posteriormente vendendo sua parte para recuperar o dinheiro investido. Esta primeira ideia não foi adiante, então Luiz acabou indo para outra área com crescente mercado: marketing digital, na qual recebeu a proposta para trabalhar na Rocky, da qual é sócio atualmente.
        Outro exemplo digno de atenção é o caso de sucesso do Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais (CCDM) que é uma iniciativa de empreendedorismo dentro da UFSCar que, neste ano, completou 25 anos. O CCDM fornece serviços tecnológicos, pesquisa, desenvolvimento e inovação na área de materiais atendendo indústrias, universidades e centros de pesquisa. O professor Nelson Guedes de Alcântara, fundador e até pouco tempo diretor executivo do CCDM, após realizar o pós-doutorado vinculado a uma empresa nos EUA, trouxe o conceito de inovação tecnológica, um dos grandes diferenciais para o CCDM. Além disso, o CCDM atua como importante centro de treinamento de futuros profissionais, “Já tivemos mais de 500 alunos bolsistas no CCDM. Formamos alunos para atuarem nas empresas, em problemas específicos. Formamos recursos humanos. Então, acho que também é importante dizer isso, o CCDM também forma recursos humanos, além de prestar serviços às empresas.”, nos contou o Prof. Nelson.
        Apesar das trajetórias e iniciativas bastante diferentes, todos os entrevistados tiveram o mesmo início: a passagem pelo curso de Engenharia de Materiais no DEMa. Essa passagem agregou, de diferentes maneiras, experiências e ferramen- Página 4 A MATÉRIA SÃO CARLOS, OUTUBRO DE 2020 tas em cada um deles de forma que oportunidades se abriram tornando possíveis os percursos no ramo empreendedor, mesmo que a empresa não lide diretamente com os conceitos técnicos abordados ao longo dos cinco anos de curso.
        Nos casos das empresas Grupo Metal, CCDM e Afinko, os conhecimentos técnicos adquiridos no curso fizeram (e ainda fazem) toda a diferença no sucesso dessas histórias, como podemos acompanhar nas palavras de Henrique, um dos sócios da Afinko, “O que fez a empresa ter sucesso até hoje é a excelente formação técnica, principalmente em uma área de atuação em que o conhecimento técnico é muito usado no dia a dia, pois o nosso produto é basicamente um relatório técnico, então sempre foi um produto de qualidade devido à qualidade da formação que tivemos” ou no depoimento de Sérgio que nos relatou que a base científica e a formação na Federal contribuíram para a transformação de conhecimento científico em produto no Grupo Metal. O Prof. Nelson destacou o quanto a fundamentação científica fornecida pelo DEMa contribui para os trabalhos de cunho tecnológico realizados pelos alunos, “ o DEMa fornece essa base científica, como nenhum curso no Brasil oferece”.
        Os meninos da Tritec também relataram a importância da base técnica fornecida pelo curso, mas sentiram falta de apoio no quesito empírico do projeto, “Talvez o que faltou para o projeto continuar foi o contato de saber o que é uma empresa. Talvez uma optativa de fim de curso sobre empreendedorismo seria interessante”. Entretanto, enquanto não existem matérias voltadas para o empreendedorismo (e talvez a melhor forma de aprender seja na prática, errando e tentando), é possível desenvolver habilidades de liderança, posicionamento assertivo, comunicação e mais outras tantas entre as chamadas soft skills fazendo parte dos inúmeros projetos de extensão disponíveis no meio universitário. Como nos contou Henrique, “eu aprendi que qualquer oportunidade para se capacitar, para ganhar conhecimento, para adquirir soft skills são essenciais. Sempre que você puder fazer, acredito que se deve fazer.”, muitas vezes não sabemos onde o caminho que tomamos irá nos levar, mas as oportunidades vêm para aqueles que se preparam.
        No caso da Rocky, os conhecimentos técnicos do curso não estão presentes no dia-a-dia, mas Luiz Fernando ressalta como os conceitos de engenharia, como estatística, o ajudaram na empresa. Porém, é essencial ter humildade e saber reconhecer que sempre temos mais a aprender, apenas o fato de cursar engenharia numa das melhores faculdades não nos torna os melhores. Se, por um lado, Luiz reconhece como a engenharia o ajudou, por outro ele faz uma ressalva para aqueles que desejam empreender: “..esse engenheiro precisa saber que está entrando numa área nova, na qual ele não sabe nada e que ele precisa aprender – assim como aprendeu Cálculo 3 na faculdade - , se chegar com aquele pensamento de que, só porque fez engenharia ele sabe de tudo, não vai conseguir trabalhar em lugar nenhum”. Nesse sentido, o Prof. Nelson realça a necessidade de buscar experiências além do curso: “O aluno que só faz o curso não tem diferencial, pois ele não praticou, não se envolveu. O aluno tem que praticar, por exemplo, fazer um MBI. Por que só com experiência vai ser um Engenheiro de Materiais. Só com experiência vai ter condições de entender o que é uma gestão, um empreendedorismo”.
        Entendemos que as maiores dificuldades relacionadas ao empreendedorismo estão associadas ao fato de estar começando um projeto do zero, de estar tirando uma ideia do papel e colocando-a em prática. No fim, é uma aposta, tomar a decisão de empreender, abrir um negócio, é estar disposto a navegar num oceano de incertezas. Tanto Henrique da Afinko quanto Sérgio do Grupo Metal comentam da dificuldade de se estabelecer no mercado, ganhar credibilidade e confiança dos clientes em meio a tantos outros peixes grandes. Além das incertezas do mercado e da competição que serão enfrentadas, há outro problema notório a novos empreendimentos: a burocracia. As áreas financeira e jurídica apresentam um dialeto próprio que, às vezes, pode ser incompreensível: desde lidar com questões de arrecadação e impostos até a parte de documentação, licenças e contratos… a lista é grande.
        É necessário coragem para tomar decisões: deve-se arriscar, investir, mas também deve-se ter a frieza de decidir quais riscos tomar e até que ponto continuar quando o empreendimento não prospera. Murilo Santos, um dos fundadores da Tritec, realça que, no caso deles, “Todos estavam bem intencionados, mas faltaram algumas coisas: constância para evoluir e estrutura. Não tínhamos bagagem para saber o que era necessário para fazer o negócio dar certo. Tínhamos a visão e a dedicação que ligam com startup/ empreendedorismo, mas tinha um amadorismo e uma falta de estrutura que ligam a um hobbie. Houve muita oscilação entre amadorismo e seriedade. Podíamos ter colocado responsabilidades diferentes entre as pessoas, tínhamos overlap de atividades. E faltou direcionamento para chegar aonde queria. O básico pra saber se o negócio ia dar dinheiro.”
        Apesar da empresa não ter ido adiante, Murilo, bem como os outros membros, aprenderam muito com a tentativa. “Mesmo que não dê certo, no geral você vai sair muito mais do que você entrou. Mesmo Página 5 que não tenha perfil, ache que não vai dar certo, no final tem muita história e aprendizado.” Uma boa parte do empreendedorismo vem, justamente, de errar e, a partir disso, aprender. Afinal, nas palavras de Murilo, “ou você acerta, ou você aprende”.
        Com isso, gostaríamos de dizer: vale a pena tentar! Seja na área empresarial ou na acadêmica, em materiais ou em marketing, se tiverem uma boa ideia, não deixem a oportunidade passar. Assim, finalizamos com as palavras de Luiz Fernando: “Comecem, do jeito que puderem. Aproveitem o ambiente em que vocês estão, porque vocês têm o privilégio de estar na melhor faculdade de engenharia de materiais do Brasil, e em uma das melhores faculdades de engenharia do mundo, aprendendo com os melhores professores, com uma comunidade acadêmica muito boa e que se estende além da universidade. Saindo da federal, vocês terão contatos em diversas empresas, e isso é muito importante para quem quer empreender. E, também, calma. A vontade de empreender é muito importante, mas não adianta empreender em algo que você não tenha tanto conhecimento. (...) conversem com o máximo de pessoas que conseguirem. Existem muitas pessoas que já viveram as dores que você vai viver e que podem te ajudar no empreendedorismo.”

[Texto retirado da nossa 18ª Edição, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]