[18ª Edição] Da Era das Cavernas aos Dias Atuais: Uma Breve História das Cores

Uma breve história das cores


        Na correria do dia-a-dia e imersos nesse mundo digital, estamos acostumados a essa explosão de cores que nos rodeia, desde a roupa que vestimos até os potinhos de plástico que vão para a geladeira. Nas prateleiras das lojas, temos várias opções de cor para um mesmo produto e dá até vontade de ter um de cada. Entretanto, alguns séculos ou até mesmo décadas atrás, o mundo era muito mais monocromático e a diferença entre um manto púrpura ou um manto amarelo no império romano não estava apenas no comprimento de onda refletido, mas sim na riqueza e status social de quem o possuía. Naturalmente, ainda nos dias de hoje, a escolha da cor de um produto vai além da estética, a decisão pode estar associada à função final do produto por motivos de identificação, sinalização ou proteção, por exemplo, mas temos toda uma indústria e abundância de pigmentos disponíveis. E foi graças à incessante curiosidade e necessidade de se expressar do ser humano que pesquisas e descobertas (acidentais, às vezes) na área da química ao longo das eras permitiram o mundo colorido em que vivemos. Nos dias de hoje as cores estão em tudo, mas é impossível pensar na história dos pigmentos sem pensar na história da arte, nas religiões e cultos e na indústria da moda têxtil. Assim, convido vocês a conhecerem um pouco da história dos pigmentos.
        Nos tempos pré-históricos, os seres humanos registravam seus feitos, seus pensamentos, seus modos de vida e de existir nas paredes das cavernas abrigadas de luz e chuva. Registros esses que ainda resistem nas cavernas por mais de 70000 anos e foram feitos de pigmentos naturais obtidos de argilas e da queima de restos de animais. A paleta de cores dos nossos ancestrais se restringia a tons ocres (óxidos de ferro hidratados – do grego Ochros amarelo), vermelhos (óxidos de ferro desidratados) e preto (fuligem). Com o passar das eras e das civilizações, novos pigmentos foram se somando à paleta de cores da humanidade, alguns surgiram e desapareceram – como foi o caso do azul egípcio, à base de silicato de cálcio e cobre e sintetizado pelos egípcios em torno de 3000 a.C, que era utilizado em pinturas cerimoniais nas tumbas e cujo modo de síntese se perdeu com a queda da civilização – e outros foram substituídos por pigmentos sintéticos.
        A origem e a forma de obtenção dos pigmentos implicavam diretamente nos custos e, muitas vezes, na toxicidade dos mesmos. Textos datados de 1600 a.C mencionam a cor púrpura utilizada nas vestes reais romanas, a qual era obtida da secreção de moluscos – em torno de 12000 moluscos produziam apenas 1,4g de pigmento! Assim, o uso dessa cor era símbolo de riqueza e relevância na sociedade. Um outro exemplo de pigmento que representava riqueza e status social era o azul ultramarino à base de um complexo de enxofre e silicato de alumínio obtido da pedra semi-preciosa lapis-lazuli. Isso fazia com que o preço do pigmento fosse maior que o do ouro. O pigmento de azul intenso está presente em várias obras renascentistas e, devido ao seu alto valor agregado, era muitas vezes considerado adequado para pintar motivos nobres e indicar pureza como, por exemplo, o manto da virgem Maria. Com o avanço da química, outros pigmentos azuis mais acessíveis foram desenvolvidos, como o azul da Prússia (sintetizado na Alemanha em 1704) e o azul cobalto (1802). Além do custo, a toxicidade dos pigmentos também era um problema enfrentado ao longo da história. Um pigmento branco a base de chumbo introduzido pelos gregos foi muito utilizado durante séculos, até ser substituído pelo dióxido de titânio somente em 1920. Tintas de parede à base de chumbo foram bastante utilizadas até o início do século XX. Um outro pigmento altamente tóxico descoberto em 1788 foi o verde Paris ou acetoarsenito de cobre, que continha arsênio e foi usado até 1960 – suspeita-se que Napoleão possa ter sido intoxicado por arsênio, pois as paredes de sua residência no final da vida eram pintadas com esse pigmento. Outro fato curioso é que muitos pintores eram responsáveis por criarem e fazerem as próprias misturas de tintas e nesse processo acabavam se contaminando.
        Sob motivação da indústria têxtil, durante o século XIX foram desenvolvidos inúmeros novos pigmentos, mas foi somente em meados do século, em 1856, que o químico William Perkin descobriu acidentalmente o colorante roxo conhecido por Perkin’s mauve, que seria o primeiro de todo um novo grupo de pigmentos sintéticos orgânicos, os quais permitiram o consumo de cores que conhecemos. Atualmente existe toda uma gama de pigmentos sintéticos orgânicos e inorgânicos. Os do primeiro grupo são formados por cadeias carbônicas e anéis aromáticos, sendo bastante estáveis e produzidos geralmente a partir de hidrocarbonetos petroquímicos. Os pigmentos azo (cores amarelas e alaranjadas), as ftalocianinas (cores azuis introduzidas em 1935) e as quinacridonas (cores roxas e violetas desenvolvidas nos anos 50) são alguns dos importantes grupos de pigmentos sintéticos orgânicos utilizados atualmente. Enquanto o segundo grupo, os pigmentos inorgânicos, os quais têm origem mineral em sua maioria, são mais opacos, mais baratos e existem há mais tempo. Fazem parte desse grupo os pigmentos feitos de compostos de cádmio e de cromo e o dióxido de titânio, por exemplo. Ao final do século XX, foi a indústria automobilística a responsável por impulsionar o aprimoramento dos pigmentos, os quais tinham que resistir a intempéries como exposição intensa à luz UV e umidade.
        E é dessa forma, partindo de argilas e fuligens utilizados pelos homens das cavernas há dezenas de milhares de anos até a alta tecnologia envolvida para sintetizar os mais diversos pigmentos à base de petroquímicos, que chegamos neste mundo em que vivemos, inundados de cores vivas e vibrantes. E, embora pouco abordado no curso, na engenharia de materiais os pigmentos estão presentes seja na forma de aditivos ou na formulação de tintas e esmaltes.


Referências disponíveis em: bit.ly/HistoriadasCoresRefs

[Texto retirado da 18ª edição do Jornal A Matéria, disponível em: bit.ly/EdicoesAMateria]