[18ª Edição] A Matéria Explica: Levantamento Bibliográfico e seus Desafios

Escrito por: Guilherme Koga

        Bibliografia é a lista de obras utilizada na composição de um texto, geralmente apresentada ao final de um trabalho. A citação apropriada permite dar o devido crédito e possibilita a consulta a partir de fontes originais, indicando honestidade e evitando propagação de erros. Plágio e distorção de informações são inaceitáveis, porém, infelizmente, muitos praticam esses atos descaradamente. Nos últimos anos, softwares cada vez mais eficientes foram desenvolvidos e punições mais severas aplicadas, o que vem coibindo a ação de vigaristas.
        O volume excessivo de informação acarreta em outro risco: a qualidade e a confiabilidade do conteúdo. De modo geral, literatura denominada cinza não é confiável, já que são publicações de acesso restrito e que não foram rigorosamente avaliadas por pares antes de serem divulgadas. Acesso dificultado e/ou facilidade de aceite podem ser atrelados à métodos contestáveis ou conteúdo raso, representando fonte pouco confiável de ser citada, principalmente em trabalhos científicos e tecnológicos. Em alguns casos não representam fatos, mas sim opiniões infundadas que estimulam discussões viciosas sem investigação e propósito. Apesar das ressalvas, a literatura cinza deve ser lida, já que importantes informações podem ser identificadas e checadas e/ou aprofundadas utilizando fontes adicionais.
        Conclui-se que trabalhos que são abertos e que passaram por revisão rigorosa por especialistas têm maior probabilidade de conter informações embasadas. Entretanto, há diversos exemplos de trabalhos que se enquadram nos critérios mencionados que se mostraram infundados. Um exemplo de nosso cenário atual é o trabalho sobre o “efeito benéfico” da cloroquina no tratamento da Covid-19, publicado na prestigiosa The Lancet (Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis). Importante ressaltar que por serem expostos, os trabalhos podem ser acessados e continuamente checados por pares e, quando encontrada e comprovada uma inconsistência, o trabalho corrigido ou mesmo exigindo uma nota de retratação, como ocorreu no caso mencionado.
        O importante é identificar o que é chamado de verdade cientificamente comprovada. A beleza da ciência é a contestação incessante sobre ideias suportada por observações e argumentações. As ideias vencedoras de inúmeras batalhas e comprovações reais se estabelecem. São elas que primeiramente devem ser cuidadosamente procuradas para um bom levantamento bibliográfico. Porém, como reconhecer os trabalhos que originaram as ideias cientificamente comprovadas? Apesar das atuais bases de dados filtrar os potenciais trabalhos, há somente duas ações conjuntas para identificá-los: Leitura crítica e interação com pesquisadores atuantes na área. Trabalhos inovadores recentes também merecem ser citados, pois estão na fronteira do conhecimento de uma determinada área. Embora naturalmente pouco testados, representam um farol da potencialidade das conclusões obtidas.
        Se você, caro e corajoso leitor, chegou até aqui, pode concluir que levantar uma bibliografia de qualidade é uma tarefa Hercúlea. De fato, trabalhos rigorosos de revisão são escassos. Os autores têm a árdua missão de identificar os trabalhos mais relevantes, compreender a fundo as principais ideias e conclusões e elaborar um texto autoral e fluido de informações muitas vezes complexas. Imagine ter de debruçar em trabalhos de diferentes autores com estilo de escrita peculiares e ter de compilar e interconectar as informações depois de tê-las digeridas. Não é surpresa que excelentes trabalhos de revisão são aqueles comumente mais citados e que conferem grande reconhecimento aos seus autores, já que representam um material valioso de consulta listando os trabalhos mais relevantes e suas conquistas para um determinado assunto de uma área do conhecimento.
        Matt Might ilustra muito bem o poder de ler sobre um assunto com profundidade e de se aprimorar e atuar na área (ver figura abaixo). O objetivo é se situar e evitar gastar esforços e recursos para redescobrir a roda e, caso seu desejo for, encontrar a borda do conhecimento e tentar transpassá-la até que, um dia, haverá expandido o conhecimento. O mundo parecerá diferente, mas lembre-se sempre de sua posição em relação ao círculo maior. Boas leituras e keep pushing!!

Texto retirado da 18ª edição do Jornal A Matéria, disponível em Edições Online.